23 agosto, 2011

“O gene mágico do povo Europeu”, ou, “políticas públicas pra que?”

Nessas últimas semanas, tive algumas discussões em redes sociais e e-mails sobre três assuntos distintos, a saber:

a. mudanças na regulamentação de TV a cabo (um canal nacional obrigatório pra cada n canais internacionais);
b. projeto de lei para criação de ciclovias com dinheiro de multas de trânsito.
c. função e utilidade dos sindicatos.

Antes que os puristas me corrijam, sim simplifiquei muito os itens acima. E fiz isso por querer, minha reflexão aqui não é exatamente sobre nenhum dos itens em si. E que fique claro também que o que vou discutir aqui apareceu na minha cabeça muito superficialmente, quase filosoficamente, não estou dando uma de telepata e afirmando o que a galera pensava nessas discussões.

Essa minha reflexão de hoje é quanto a um determinado tipo de pensamento que me pareceu se repetir muito naquelas discussões. A profusão de opiniões como “se fosse na Europa funcionaria”, “aqui no Brasil não tem jeito, nada vai dar certo”, "Todos estão contra mim"...

Não vou ficar copiando e colando exemplos, mas no geral sinto meio que como se as pessoas esperassem que a "maturidade" (pra usar um termo mais empresarial) apareça assim... do nada. E, mais legal:  pra todos ao mesmo tempo. Enquanto isso não acontecer, beleza, eu continuo aqui não me importando.  Preciso usar um termo em inglês aqui, mas parece que todas as conquistas e fracassos (sejam nossas ou de outros) são “taken for granted”.

O Gene mágico

Fico me perguntando, será que o povo Europeu tem um gene mágico que faz com que eles todos sejam incondicionalmente bonzinhos? E que nós brasileiros não temos o que fazer então?

Pegue-se o caso das bikes. Na Holanda usa-se muita bicicleta? Yes, sir. Mas será que é devido a algo intrínseco da biologia do Holandês? Será que é devido ao clima propício com bastante neve, frio, e chuva pra caralho?

Penso que talvez a criação de car free zones (áreas nos centros das cidades nas quais carro é proibido, não importa o tempo ou quanto dinheiro você tenha ou motivos pra chegar rápido) aliada a uma malha cicloviária muito bem feita com inúmeras regras para os ciclistas (quase que se precisa de um curso pra alugar uma bike lá) e também vias bem cuidadas ligando todo o país tenham algo a ver.

"Eles cuidam da "sujeira" dos seus cachorros"? Será que a multa pra quem não cuida e a fiscalização ferrada sobre animais de estimação (incluindo denuncias de vizinhos) não tem a ver com isso?

"Olha que europeus ecologicamente corretos, levam mochilas pros mercados em vez de sacolas descartáveis." Tá, levam. Mas talvez será que o fato de cobrarem, e caro, pelas sacolas não ajude nesse hábito? "Guardam os carrinhos de volta no supermercado", e o euro que se deixa de reserva ao pegar o carrinho?

"Sindicatos são inúteis, só tomam meu tempo e um dia do meu salário por ano". Será? E se fossemos lá votar direito, brigar pelas nossas propostas (aliás, fazendo propostas coerentes)? Será que não seria melhor que reclamar por ai ao vento? Eu não acho que limite de horas semanais, salário mínimo, CLT, licença maternidade e tantos mais sejam inúteis. Sindicatos tiveram conquistas legais sim. E podem nos ajudar de novo em caso de uma empresa querer nos fuder algum dia (isso ocorre as vezes, sério!).

E acham que os europeus ganharam os direitos trabalhistas deles, que em alguns casos são melhores que os nossos, de graça (ou porque seus governantes são intrinsecamente bonzinhos)? Movimento sindical inglês? Revolução francesa? (perceberam a existência da palavra revolução no termo “revolução francesa”?)? Baderna Levante popular agora recentemente em Londres?

Meu ponto? Claro que tem casos e casos, situações e situações, problemas e problemas. Mas muitas vezes tá parecendo que a gente prefere jogar a culpa pra cima (tadinhos de nós), como se um gene mágico ajudasse alguns países privilegiados.

Políticas públicas

E onde entram as políticas públicas? Em vários desses casos acima, acho que uma boa aplicação de políticas públicas acaba condicionando o hábito que por sua vez depois vira cultura (car free zones, pagamento de sacolas de plástico em mercados, multas por sujeira de cachorro, etc). 

E quando alguma política pública tenta surgir aqui só escuto reclamação. "Querem canais nacionais na minha TV" (tirando meu direito de escolha), "querem ajudar a TV cultura", "querem ajudar famílias pobres", "querem redistribuir renda", "querem um plano que garanta internet na maioria das casas do país, sendo que no sul e sudeste já tá bom". Onde já se viu? Isso só funciona na Europa (já que eles têm genes mágicos). 

Aqui? Uai, deixa que aqui o mercado de auto-regula (afinal todo mundo sabe que o liberalismo econômico tende à justiça no longo prazo, né?). 

Aqui? qualquer lei, política ou decisão vão estar incondicionalmente erradas. Então eu nem preciso ler e opinar uma a uma. Depois escolho meu candidato pela campanha da TV que é bem mais prático.

Quanto às novas regras pra TV, que foi uma das discussões que gerou essa reflexão, minha opinião muito inocente (admito que não li a proposta na íntegra, então
ainda não tenho algo muito forte na cabeça) é de que pode sim ser uma iniciativa interessante. Se vamos ter canais a mais, e se se canais nacionais forem competir com canais internacionais de igual pra igual, os internacionais vão ganhar. Muito mais lucrativo. Na verdade, investimento muito mais certo.

Mas temos produção cultural nacional boa sim (tanto em música, quanto em cinema, quanto em TV... todos impactados por essa decisão). Então talvez seja o caso de alguma política pública ajudar um pouco. Conheço muitos casos, por exemplo, de cidades nas quais uma banda local deve abrir um show de uma banda de fora (é lei municipal em várias cidades brazucas inclusive). No longo prazo isso ajuda bastante as bandas a saírem do limbo. Afinal, os "caras" tem que contratar bandas locais se quiserem um show "de fora".
Protecionismo cultural se vê muito por ai, mesmo (e talvez principalmente) entre os "europeus bonzinhos".

 Será que deixar o mercado regular a TV vai ajudar a produção cultural local? Sério mesmo: acham que os enlatados já prontos não vendem muito mais, num primeiro momento, até que a cultura finalmente se estabeleça? Tenho minhas dúvidas.

Complexo de coitadinho

Se
esse post já tava maluco (dia ruim), agora que minha linha de raciocínio se perde de vez... muita preguiça de tentar passar minha "lógica" (??) para o texto escrito. 

Mas acho que muita gente é um bando de crianças grandes com complexo de coitadinho e acha que o mundo todo é um complô. Cair na real e ter uma visão mais otimista  construtiva vai bem as vezes!

"Aqui" não são mil maravilhas

Claro que não to falando de virar Poliana e aceitar tudo sempre. Tem muito erro, seja onde for. Mas dá pra tentar diferenciar erros de acertos e deixar de pensar que o mundo tá contra mim, usando isso como justificativa pra não fazer nada. 

Não acredito num gene mágico que torne "os outros" bons ou "a gente" ruim, e acredito em batalhar pra melhorar seu ambiente. 

E nem to falando só de países: pense em qualquer instituição ou relação social. Sua casa, seu trabalho. Não precisamos de tanto pessimismo ou torcidas contra. Que tipo de diferença você está fazendo?