15 março, 2012

Crônicas da Cidade Grande: Pessoas Invisiveis!

Me mudei pra São Paulo recentemente, e tenho feito várias reflexões sobre as diferenças entre essa cidade e outras onde vivi, coisa de pensamento durante uma viagem de metrô e tals.
  
Um dos efeitos colaterais da cidade grande: Pessoas Invisiveis!

Um causo ainda em Campinas

Outro dia, em Campinas, um cara veio pedir uma contribuição pra gente na rua (roupa, dinheiro, o que seja). Sua história é que tinha acabado de sair de um presídio, que tinha feito merda sim, mas agora o governo soltou ele na rua e ele tinha que pelo menos chegar à cidade natal e tentar recomeçar. Bateu um papo conosco, comentou de como a aparente vida fácil trazida pelo crime foi um tiro pela culatra e etc. Sei lá, acreditamos e demos algo que eu tinha no bolso no momento, coisa de 5 reais. Bom, a história é longa e envolve algumas coincidências, mas o fato é que depois de algum tempo acabamos andando pela cidade procurando o cara pra doar umas roupas. Achamos ele. A expressão de gratidão e de incredulidade dele compensou toda o trabalho de andar procurando o cara. Sério, foi bem gratificante. Ele não acreditava que alguém pudesse ajudar dessa forma.

Sampa

Corta pra São Paulo. Como ando a pé e de transporte público, e como não moro no mundinho de fantasia de alguns bairros da zona sul - em Campinas eu morei em "mundos de fantasia", cada um por seus motivos: Barão Geraldo e depois Cambui - vejo pessoas necessitadas com muito mais frequência. De quando em quando algumas vem pedir algo, de quando em quando algumas vem vender algo. "Olha o amendoin torrado, 50 centavos!", "Halls e Freegel, 1 real. São os últimos", "Preciso de 2 reais pra inteirar minha passagem, por favor", "Minha filha precisa de leite"...

Eu costumo vir pro trabalho com os passes do trem da ida e o da volta e com 2 reais pra um suco de laranja de café da manhã. Sério, só isso. Pro almoço tenho o vale refeição, e não curto ficar andando com dinheiro na carteira. Um dia ou outro me compadeci de alguns dos pedintes e dei esses 2 reais pra essas pessoas. O pensamento era algo do tipo:

-- "Puxa, eu ficar sem um suco, sendo que daqui a pouco almoço em um restaurante elitizado comendo do bom e do melhor, versus a possibilidade de ela estar falando a verdade e a criança precisar de leite. Foda-se o suco".

Mas isso se repete... Se um quer comida, outro quer remédio, outro quer inteirar a grana da passagem, outro acabou de sair do presídio... Chega uma hora que meu pensamento muda:

-- "Porra, eu trabalho o dia todo, as vezes trabalho estressante. Não sou consumista, não fico gastando grana com balada, roupas de marca... Não desreipeito as pessoas. E não ganho o suficiente pra juntar capital, apenas pra levar o dia a dia sem luxo, não tenho carro ou moradia própria...  (Levo o dia a dia muito bem, por sinal, não tenho do que reclamar). Quer saber, tenho direito sim a meu suco de laranja e o que mais queira fazer com minha grana. Não posso ficar dando dinheiro por ai baseado em achar que meus gastos são menos nobres".

Um amigo, o Sangue, falou sobre definir um ponto a partir do qual você poderia doar sem se prejudicar. Mas qual é esse limiar? Ficar sem um jogo novo de video game, ou com uma internet mais lerda, seria me prejudicar se comparado a uma criança sem comida?
 
As Pessoas Invisíveis

Ai entram (ou saem) as "Pessoas Invisíveis".

Como? Quando você faz contato visual, quando mostra respeito, compaixão... quando conversa... eles - os excluidos, os carentes, os pedintes - insistem. Andam junto com você por um tempo. Fazem chantagem emocional. Tem uns que olham o quanto tenho na mão (ao pegar o troco na estação, por exemplo) e contra argumentam quando digo que não tenho ou que não quero doar. Que fique claro: isso não acontece todo dia, não acontece toda hora. Na maior parte dos dias minha caminhada é super tranquila. Mas acontece com uma frequência maior do que no interior (seja Campinas, seja Ribeirão). E isso, de ficar discutindo e ouvindo chantagem emocional, é desgastante, te deixa deprê, ou com raiva, ou te faz perder tempo (que as vezes é curto nessa correria que é São Paulo).

Um pouco de foco agora

Veja que não estou me escondendo atrás do argumento de que poderia ser mentira, de que esse dinheiro iria pra drogas, etc. Isso pode acontecer, deve acontecer, mas não é esse caso que me deixou filosofando. To falando de situações em que voce assume que a necessidade existe, de fato (quer seja por bondade, inocência, indícios, não importa).

Finalmente, a invisibilidade

Qual a saída? Não as ver mais essas pessoas como pessoas. Passar reto, sem contato visual, sem demonstrar piedade. São objetos, parte da paisagem urbana. Nunca consegui levar isso ao extremo, mas percebo observando as ruas que pessoas antipáticas de verdade se saem mais rápido dessas situações.

E eu?

Me perguntei quanto tempo Sampa vai levar pra me quebrar, e tornar alguns seres humanos invisíveis pra mim. Parte achou que "Isso não vai acontecer nunca, você não é assim", mas parte pensou "ha ha... vc só tá aqui a 15 dias, espera pra ver".

Sociologia do dia a dia

Pelo menos não estou sozinho nessa. O Rolo me disse que me deparei na prática com um dilema antigo da sociologia: Gemeinschaft (comunidade) versus Gesellschaft (sociedade).

A ideia é que em aglomerados humanos menores, as relações sociais são dirigidas por relações de proximidade e solidariedade, enquanto que nos grandes centros urbanos, são utilitaristas e individualistas. Pelo visto há sociólogos que expandem esse raciocínio analisando os mecanismos práticos de anonimato nas cidades (não cruzar o olhar em transporte público, ignorar pedintes, etc). A ideia seria que ignorar alguns dos problemas sociais da cidade grande no dia a dia não é bem uma questão de moral ou ética, mas uma necessidade prática. Sempre agir altruisticamente em um ambiente de Gesellschaft iria contra a tendência de individualização e especialização que é característica da vida em grandes aglomerados urbanos. Desse modo, quando mudamos para a cidade grande, deixamos de lado algumas relações de solidariedade e ganhamos, em troca, outras coisas (por exemplo, o anonimato).

Como será que isso funciona quando você volta pra comunidade pequena, esses mecanismos continuam agindo? Se sim, você vai parecer uma pessoa mais fria do que é... Mas se bobear a gente vai levando e usando as máscaras sociais de acordo com as situações... ou não.

13 março, 2012

Curadores Sociopatas

Outro dia li um post recomendado pela Alicia Alao que defendia um novo jornalismo, onde o papel do jornalista deixaria de ser o de "porteiro" e passaria a ser o de "curador" das notícias. Lembro que o texto era bacana e tals, mas não lembro detalhes. Em linhas gerais, nesse mundo de superinformação e de participação cada vez mais ativa da população na criação das notícias, caberia ao jornalista curador contextualizar, selecionar, filtrar e sugerir informações. Algo análogo ao curador de arte de um museu.

Tá. Dai na semana passada, no Happy Hour de lançamento do livro da Marcia Tait, eu, o Rodrigo Botelho, e uma professora cujo nome eu não me lembro (e acho que nem perguntei, por que já saímos discutindo o sentido da vida direto sem apresentações), estávamos falando de todas as coisas do mundo e passamos pelos algoritmos da Google. E em como eles, os algoritmos, selecionam o que aparece nas páginas de busca e em que ordem. Conversa vai, conversa vem, e uma idéia surgiu.
O novo curador de informações
Hoje em dia, por mais que já se esteja falando no jornalista curador, acho que posso afirmar que o principal curador de informações do mundo digital é o Google. Você vai lá, digita seu termo, e ele mostra umas páginas. Na grande maioria das vezes a gente se contenta com algo que esteja na primeira página de resultados da busca. Ou seja, a gente se contenta em escolher um entre 10 dos pré -selecionados pelo Google (dentre as milhares e milhares de páginas existentes). Bela seleção, não? Esse filtro ajuda? Ôh! E muito, uso sempre e vou continuar usando. Um mecanismo como esse, que auxilie na busca de informações da Internet, é indispensável. E a Google faz isso muito bem. Sendo justo, o Google é apenas um exemplo, justamente devido ao grande serviço que é (e é mesmo muito bom, não tô sendo irônico), mas o mesmo vale pros links dos portais em geral, Yahoo, feeds no Facebook, etc.
 
O curador psicopata
Mas aquele papo acima era conversa de boteco, então tínhamos que filosofar, não dava pra parar no elogio ao algoritmo deles. E qual foi o devaneio? Esses algoritmos da Google usam matemática, estatística, dinheiro, análise do conteúdo, análise de nossos dados, etc, e geram a lista de resultados. Porém ele, o algoritmo, não é humano. Ele não tem ética, não tem empatia ou compaixão, não tem opiniões políticas ou sociais, medo, ou dó. Ele é um algoritmo, uma fórmula matemática. E qual a definição de sociopatia? É um distúrbio caracterizado pela ausência de empatia com outros seres vivos, pelo descaso com o bem estar do outro, pela indiferença por normas sociais, indiferença pelos direitos ou pelos sentimentos alheios. Ou seja, pro bem ou pro mal, nosso principal curador de informação hoje em dia é um sociopata! Por definição!
Um dos efeitos disso que dá pra vislumbrar é que um algoritmo não vai valorizar algo devido exclusivamente a fins políticos ou partidários ou devido a opiniões tendenciosas, ou a preconceitos pessoais, etc...  
Outro efeito que dá pra vislumbrar é a não valorização, ou em caso extremo, até a exclusão, da dissidência: se todos clicam na foto da mocinha do BBB que mostrou os peitos logo de cara em detrimento de clicar nos links dos conflitos no mundo árabe, os algoritmos vão se adaptar pra mostrar esse primeiro tipo de notícia em detrimento do segundo. No longo prazo, não verei mais boa parte das notícias de política, pra ver as mocinhas bonitas que serão as coisas mais sugeridas pra mim pelos algoritmos. Tem problema em clicar de cara na matéria dizendo que a moça mostrou os peitos? Talvez sim, talvez não. Não é o caso aqui. O que talvez devesse ser visto com olhos críticos (principalmente por nós da TI que criamos tais algoritmos) é que os algoritmos que curam a nossa informação estão aprendendo com isso, e eles não têm bom senso. Muita informação fast food pode acabar ecplisando alguma informação mais nutritiva.
 
Um livro bem caro
Pra dar um exemplo de como um algoritmo não tem muito bom senso, recentemente teve o caso de um conflito entre 2 algoritmos que davam preços de livros para duas livrarias, a Bordeebook e a Profanath. Coincidentemente aconteceu de os 2 algoritmos estavarem olhando ao mesmo tempo para o preço do mesmo livro, o "The Making of a Fly", de Peter Lawrence. Quando uma das lojas aumentava o preço, o algoritmo da outra loja percebia automaticamente e aumentava o preço também. E isso ficou em ciclos. O livro chegou a mais de 20 milhões de dólares até alguém perceber. Ou seja, aquela fórmula matemática que dava o preço do livro não tinha muita noção de valores, afinal, por bom que o livro seja, 20 milhões é sim um pouco fora da realidade. Se fosse um ser humano colocando preços, talvez percebesse algo estranho quando o preço chegasse aos seus 2 milhões de dólares:)

Além das buscas
Isso, de usar algoritmos pra "curar" informações, vai além de páginas de buscas, em iniciativas como essa:

"University of Bristol scientists claim to have developed software that can spot whether a song has hit potential. The program looks at 23 separate characteristics including loudness, danceability and harmonic simplicity. Trained using hit songs from the Top 40 over the last 50 years, the software can predict chart positions. "
(Fonte: http://www.bbc.co.uk/news/technology-16218284)

Ou seja: softwares analizando a música e já avisando a produtora e os investidores se a música fará ou não sucesso. Isso pode até definir o investimento ou não no músico em questão. A pergunta que fica é: e a "inovação"? E a música que trouxer algo novo, que ainda não seja possível prever a partir de dados históricos? Talvez ela fique de fora sem um olhar humano sobre ela (meio sinestésica essa frase, né
?). Aliás, um dos itens analizados automaticamente me assusta, "simplicidade da harmonia". Existe iniciativa semelhante pra roteiros de cinema, mas o link não tá comigo agora.
Hoje mesmo o Fabio Fantato me falou de um sistema que diz aos blogueiros sobre qual o tema eles deveriam escrever pra fazer sucesso e virar hit no dia em questão.
Tem também esse estudo, anunciado no Olhar Digital, que diz que as crianças confiam mais no Google do que em seus pais! E por ai vai...
(fonte: http://olhardigital.uol.com.br/produtos/digital_news/noticias/estudo-criancas-confiam-mais-no-google-do-que-nos-proprios-pais)

 
E dai, que fazemos?
Qual a saída? Não sei se tem que ter uma saída, isso é uma reflexão, um olhar crítico. Sei lá, os jornalistas curadores da Alícia talvez ajudem. Ou, e essa é minha saída pessoal, as redes sociais. Sejamos curadores uns dos outros e através de nossas redes vamos achando e sugerindo informações. Algo meio que no sentido de “inteligência coletiva” do Levy. Sem endeusar as tais redes como solução infalível, mas tem sido meu filtro e minha maneira de divulgar o que acho de interessante pra quem queira ler. No caso de conhecer músicas, quando morava em Campinas ouvia a Rádio Muda, aqui em Sampa ainda não achei uma equivalente. E por ai vamos...
 
PS: Sociopata e Psicopata são termos intercambiaveis, pelo menos assim me disse meu curador sociopata.