Nessas últimas semanas, tive algumas discussões em redes sociais e e-mails sobre três assuntos distintos, a saber:
a. mudanças na regulamentação de TV a cabo (um canal nacional obrigatório pra cada n canais internacionais);
b. projeto de lei para criação de ciclovias com dinheiro de multas de trânsito.
c. função e utilidade dos sindicatos.
Antes que os puristas me corrijam, sim simplifiquei muito os itens acima. E fiz isso por querer, minha reflexão aqui não é exatamente sobre nenhum dos itens em si. E que fique claro também que o que vou discutir aqui apareceu na minha cabeça muito superficialmente, quase filosoficamente, não estou dando uma de telepata e afirmando o que a galera pensava nessas discussões.
Essa minha reflexão de hoje é quanto a um determinado tipo de pensamento que me pareceu se repetir muito naquelas discussões. A profusão de opiniões como “se fosse na Europa funcionaria”, “aqui no Brasil não tem jeito, nada vai dar certo”, "Todos estão contra mim"...
Não vou ficar copiando e colando exemplos, mas no geral sinto meio que como se as pessoas esperassem que a "maturidade" (pra usar um termo mais empresarial) apareça assim... do nada. E, mais legal: pra todos ao mesmo tempo. Enquanto isso não acontecer, beleza, eu continuo aqui não me importando. Preciso usar um termo em inglês aqui, mas parece que todas as conquistas e fracassos (sejam nossas ou de outros) são “taken for granted”.
O Gene mágico
Fico me perguntando, será que o povo Europeu tem um gene mágico que faz com que eles todos sejam incondicionalmente bonzinhos? E que nós brasileiros não temos o que fazer então?
Pegue-se o caso das bikes. Na Holanda usa-se muita bicicleta? Yes, sir. Mas será que é devido a algo intrínseco da biologia do Holandês? Será que é devido ao clima propício com bastante neve, frio, e chuva pra caralho?
Penso que talvez a criação de car free zones (áreas nos centros das cidades nas quais carro é proibido, não importa o tempo ou quanto dinheiro você tenha ou motivos pra chegar rápido) aliada a uma malha cicloviária muito bem feita com inúmeras regras para os ciclistas (quase que se precisa de um curso pra alugar uma bike lá) e também vias bem cuidadas ligando todo o país tenham algo a ver.
"Eles cuidam da "sujeira" dos seus cachorros"? Será que a multa pra quem não cuida e a fiscalização ferrada sobre animais de estimação (incluindo denuncias de vizinhos) não tem a ver com isso?
"Olha que europeus ecologicamente corretos, levam mochilas pros mercados em vez de sacolas descartáveis." Tá, levam. Mas talvez será que o fato de cobrarem, e caro, pelas sacolas não ajude nesse hábito? "Guardam os carrinhos de volta no supermercado", e o euro que se deixa de reserva ao pegar o carrinho?
"Sindicatos são inúteis, só tomam meu tempo e um dia do meu salário por ano". Será? E se fossemos lá votar direito, brigar pelas nossas propostas (aliás, fazendo propostas coerentes)? Será que não seria melhor que reclamar por ai ao vento? Eu não acho que limite de horas semanais, salário mínimo, CLT, licença maternidade e tantos mais sejam inúteis. Sindicatos tiveram conquistas legais sim. E podem nos ajudar de novo em caso de uma empresa querer nos fuder algum dia (isso ocorre as vezes, sério!).
E acham que os europeus ganharam os direitos trabalhistas deles, que em alguns casos são melhores que os nossos, de graça (ou porque seus governantes são intrinsecamente bonzinhos)? Movimento sindical inglês? Revolução francesa? (perceberam a existência da palavra revolução no termo “revolução francesa”?)?
Meu ponto? Claro que tem casos e casos, situações e situações, problemas e problemas. Mas muitas vezes tá parecendo que a gente prefere jogar a culpa pra cima (tadinhos de nós), como se um gene mágico ajudasse alguns países privilegiados.
Políticas públicas
E onde entram as políticas públicas? Em vários desses casos acima, acho que uma boa aplicação de políticas públicas acaba condicionando o hábito que por sua vez depois vira cultura (car free zones, pagamento de sacolas de plástico em mercados, multas por sujeira de cachorro, etc).
E quando alguma política pública tenta surgir aqui só escuto reclamação. "Querem canais nacionais na minha TV" (tirando meu direito de escolha), "querem ajudar a TV cultura", "querem ajudar famílias pobres", "querem redistribuir renda", "querem um plano que garanta internet na maioria das casas do país, sendo que no sul e sudeste já tá bom". Onde já se viu? Isso só funciona na Europa (já que eles têm genes mágicos).
Aqui? Uai, deixa que aqui o mercado de auto-regula (afinal todo mundo sabe que o liberalismo econômico tende à justiça no longo prazo, né?).
Aqui? qualquer lei, política ou decisão vão estar incondicionalmente erradas. Então eu nem preciso ler e opinar uma a uma. Depois escolho meu candidato pela campanha da TV que é bem mais prático.
Quanto às novas regras pra TV, que foi uma das discussões que gerou essa reflexão, minha opinião muito inocente (admito que não li a proposta na íntegra, então ainda não tenho algo muito forte na cabeça) é de que pode sim ser uma iniciativa interessante. Se vamos ter canais a mais, e se se canais nacionais forem competir com canais internacionais de igual pra igual, os internacionais vão ganhar. Muito mais lucrativo. Na verdade, investimento muito mais certo.
Mas temos produção cultural nacional boa sim (tanto em música, quanto em cinema, quanto em TV... todos impactados por essa decisão). Então talvez seja o caso de alguma política pública ajudar um pouco. Conheço muitos casos, por exemplo, de cidades nas quais uma banda local deve abrir um show de uma banda de fora (é lei municipal em várias cidades brazucas inclusive). No longo prazo isso ajuda bastante as bandas a saírem do limbo. Afinal, os "caras" tem que contratar bandas locais se quiserem um show "de fora". Protecionismo cultural se vê muito por ai, mesmo (e talvez principalmente) entre os "europeus bonzinhos".
Quanto às novas regras pra TV, que foi uma das discussões que gerou essa reflexão, minha opinião muito inocente (admito que não li a proposta na íntegra, então ainda não tenho algo muito forte na cabeça) é de que pode sim ser uma iniciativa interessante. Se vamos ter canais a mais, e se se canais nacionais forem competir com canais internacionais de igual pra igual, os internacionais vão ganhar. Muito mais lucrativo. Na verdade, investimento muito mais certo.
Mas temos produção cultural nacional boa sim (tanto em música, quanto em cinema, quanto em TV... todos impactados por essa decisão). Então talvez seja o caso de alguma política pública ajudar um pouco. Conheço muitos casos, por exemplo, de cidades nas quais uma banda local deve abrir um show de uma banda de fora (é lei municipal em várias cidades brazucas inclusive). No longo prazo isso ajuda bastante as bandas a saírem do limbo. Afinal, os "caras" tem que contratar bandas locais se quiserem um show "de fora". Protecionismo cultural se vê muito por ai, mesmo (e talvez principalmente) entre os "europeus bonzinhos".
Será que deixar o mercado regular a TV vai ajudar a produção cultural local? Sério mesmo: acham que os enlatados já prontos não vendem muito mais, num primeiro momento, até que a cultura finalmente se estabeleça? Tenho minhas dúvidas.
Complexo de coitadinho
Se esse post já tava maluco (dia ruim), agora que minha linha de raciocínio se perde de vez... muita preguiça de tentar passar minha "lógica" (??) para o texto escrito.
Mas acho que muita gente é um bando de crianças grandes com complexo de coitadinho e acha que o mundo todo é um complô. Cair na real e ter uma visão mais otimista construtiva vai bem as vezes!
"Aqui" não são mil maravilhas
Claro que não to falando de virar Poliana e aceitar tudo sempre. Tem muito erro, seja onde for. Mas dá pra tentar diferenciar erros de acertos e deixar de pensar que o mundo tá contra mim, usando isso como justificativa pra não fazer nada.
Não acredito num gene mágico que torne "os outros" bons ou "a gente" ruim, e acredito em batalhar pra melhorar seu ambiente.
E nem to falando só de países: pense em qualquer instituição ou relação social. Sua casa, seu trabalho. Não precisamos de tanto pessimismo ou torcidas contra. Que tipo de diferença você está fazendo?
Sofremos de um choque de identidade: no futebol e competições somos todos brasileiros, mas nos problemas, desvios, corrupções de nosso país, dizemos que não temos nada a ver com isso.
ResponderExcluirPrecisamos que as oportunidades superem o oportunismo, urgentemente. Nada aqui tem a ver com gene, mas com alienação e consciência nacional (ou falta dela).
Precisamos de nossa unidade (ou identidade) cultural incentivada por políticas públicas, sim - ágeis e racionais (assim espero).
E pra fazermos a diferença, temos q pensar q a cidadania está em constante construção, ela não tem direitos e deveres estáticos. Se pensarmos q o bem estar de um grupo cria-se em sua maioria das vezes do bem estar individual, talvez fique mais fácil manifestar-se numa próxima vez. E pq não?
Boa, Math!
ResponderExcluirEu poderia escrever um outro post, complementando e expandindo o raciocínio, mas vou apenas lançar um outro ponto para discussão: se tem alguma coisa que os europeus são melhores (e não por genética, mas por contingências históricas!) é a educação política das pessoas. Tanto o mimimi descrente e as más políticas públicas que temos deve ser o resultado da nossa ignorância política (por exemplo, em relação ao processo de "confecção" das leis, quem vota, quem veta, por onde passa etc.)
Talvez essa seja a "melhoria genética" que nos falta! :P
Isso que é foda. A falta de preocupação que a gente tem com a nossa história é o que faz o que a gente é hoje. Não sei se é só a marca qua a ditadura fez: de apagar, e apagar-se da cabeça dos brasileiros; que nos deixou com "medo" de política e história.
ResponderExcluirNão celebramos nossas conquistas como deveríamos, tratamos tudo como um feriado. Ficamos irritados quando algum protesto ou manifestação nos impede de seguir nossa rotininha diária, sendo que nem pensamos naqueles que estão protestando, que estão tentando ter as mesmas condições para seguir sua rotininha diária como a gente. Somos egoístas...
E aproveitando: com um hino nacional feito por concurso, e uma letra sem muita (ou nenhuma) alusão histórica, me dá uma impressão negativa à nossa cultura política. Enfim, o que eu acho legal é que o Matheus, o Rolo e alguns outros não se calam diante disso e incitam discuções que dão uma despertada nesse povo =)
"Querem canais nacionais na minha TV", "querem ajudar a TV cultura", "querem ajudar famílias pobres", "querem redistribuir renda",
ResponderExcluir"querem um plano que garanta internet na maioria das casas do país, sendo que no sul e sudeste já tá bom"
só gostaria de deixar claro que sou um dos que "querem".
"afinal todo mundo sabe que o liberalismo econômico tende à justiça no longo prazo, né?"
puts.... eu não sei disso, meu. nem a longo, nem a curto, nem nunca, creio eu.
quanto ao texto como um todo, concordo plenamente. é muita gente mimadinha que não quer largar o osso.
é muita vitiminha no mundo. e acho assim.... pode continuar sendo vitiminha, mimadinho, coitadinho.... sem problema.
só que quando invadirem condomínios matando crianças inocentes, por favor.... não reclamem. e não venham com coisas
idiotas do tipo "pare com a violência". esse tipo de campanha só acontece quando os mimadinhos sofrem os danos (que por
um acaso eles mesmos ajudaram a plantar).
esse tipo de coisa vai acontecer cada vez mais e depois não vai adiantar perguntar "o que aconteceu? onde erramos?"
acho importantissimas iniciativas como essas citadas no texto, mesmo porque, ao invés de ficar no mimimi pelo menos
é ação, é atitude. o ficar reclamando realmente não vai levar a nada. e mesmo que coisas saiam erradas no caminho....
quem disse que temos que acertar sempre?
enfim. legal o texto matheus.
Pô Sangue, ou você foi irônico e eu não captei ou você não captou minha ironia heheh.... O lance do "Querem isso" e o lance do liberalismo tender à justiça são ironias :P
ResponderExcluiro do "querem isso" eu entendi sim e só quis marcar posição.
ResponderExcluiragora o do liberalismo eu não tinha entendido mesmo. haueheaueaheaueaheuhea
weeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee
Grande Math... Só posso elogiar o post, visto que não tenho observações pertinentes sobre o conteúdo... Show de bola. Abordou o tema de forma bastante clara e abrangente.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMáphus!!!
ResponderExcluirMuito bom. Vc já leu o livro "Política para não ser Idiota"? O texto desse livro vai bem nessa linha.
Também assisti a palestra de lançamento do livro, com o Mário Sérgio Cortella (um dos autores). Muito boa.
O interessante é que o livro apresenta esses "nossos" problemas de forma muito positiva:
- Não temos bons hábitos político/sociais
- Históricamente não fomos "forjados" para entender e implementar uma sociedade igualitária, sem privilégios
- O "mindset" (desculpe o estrangeirismo) do povo ainda está errado (e.g. o atual "com quem vc pensa que está falando" vs. "quem vc acha que é")
** Entretanto, temos visto enormes avanços em nossa sociedade.
- A corrupção sempre foi encoberta, hoje está sendo cada vez mais escancarada. Vide Campinas
- Ainda não sabemos votar, nem acompanhar nosso candidatos eleitos, mas temos um processo democrático estabelecido
Enfim, o problema é de postura: mimimis e nhenhenhens não vão mudar a realidade. Gestos e políticas publicas sim, fazem a diferença.
Fala Giulus! Não li o livro, mas vi uma entrevista com os autores. Só a parte da etimologia das duas palavras do título (política e idiota) já me ganharam.
ResponderExcluirPra quem não conhece o livro, a palavra idiotavem do grego idhiótis e significa "um cidadão privado, individual". Ou seja, é a palavra oposta a político, que vem de politikè, que é uma mistura mistura de polis+ technè: técnica ou arte de se viver numa polis (cidade, sociedade, conjunto).
Math,
ResponderExcluirMencionar que não tenho nada a acrescentar seria uma redundância ou uma contradição em termos?
No fundo, só tô avisando, que mesmo com atraso, lí o texto e gostei muito. Acho que você conseguiu sintetizar muito bem essas idéias que já vinha ensaiando durante a semana. Foi pontual e esclarecedor sem se tornar prolixo.
Abs
Hoje estava lendo: Eckermann, Erik. "World History of the Automobile". (2001) e ví a seguinte afirmação: around the seventh century "in Rome, wagon traffic was banned froam roads during the day, an early version of the pedestrian zones in modern cities." pp. 06
ResponderExcluirSeria esta proibição uma versão primeira do gene europeu da preferência pelos transportes públicos?
Hoje estava lendo: Eckermann, Erik. "World History of the Automobile". (2001) e ví a seguinte afirmação: around the seventh century "in Rome, wagon traffic was banned from roads during the day, an early version of the pedestrian zones in modern cities." pp. 06
ResponderExcluirSeria esta proibição uma versão primeira do gene europeu da preferência pelos transportes públicos?
Outros comentários sobre o gene europeu:
ResponderExcluirA galera aqui na Holanda traz a sacolinha de casa, para fazer compra no mercado, porque no mercado eles precisam pagar por cada sacola que usam para carregar as compras. E não é tão barato assim!
Mesmo aqui, o país das bikes, já ví gente (de dentro da academia) falando que o automóvel é melhor do que trem e do que a bike. E tbm já ví engarrafamentos (não se assemelham àqueles da marginal pinheiros, mas proporcionalmente falando são engarrafamentos). As bikes não podem trafegar sem laterninhas de iluminação, dá multa de quase 100 euros (um kit de luz é 13 Euros, quando caro). E as bikes tbm param nos semáforos, mesmo as 3am quando não tem carro nenhum na estrada. Todas as escadas de locais públicos tem as canaletas que facilitam na hora de empurrar a bike.
O mais surreal é que as bikes custam super caro, uma bike seminova (2nd hand bike) custa, peolo menos, 300 euros! O meu celular, com camera 5.0mp custou 150. Uma bike (não mountainbike, mas citybike) nova facilmente chega no valor de 2000 Euros. O preço da bike é meio absurdo, mas em alguns casos o governo paga até 50% do valor da bike, em redução de impostos.
Outro ponto legal, livros são baratos como no Brasil. A Coleção Peguin Classics, que é edição de bolso, é o mesmo preço (ou um pouco mais cara) que a L&PM Pocket ou Martin Claret, as edições de bolso mais populares no Brasil.
Me vou, só queria compartilhar estas infos...abs