11 julho, 2012

Fazer-cracia, hackers, contracultura da ciência, against method e os anônimos


Dois congressos científicos e umas reflexões.

Recentemente participei de dois eventos científicos: um mais “normal” e um pouco mais alternativo. Entre os pesquisadores desse segundo evento tinham hackers e ativistas pró-liberdade de expressão, pró-privacidade, feministas, etc. O primeiro evento (aquele mais normal) não vale a pena comentar, todo mundo conhece.

Mas o choque entre os 2 eventos científicos me levou a reflexões e cá estou escrevinhando.

O Simpósio Internacional de Tecnopolítica

Num primeiro momento, a “estética” me impressionou. Cheguei lá e vi uma galera bem diferente do que se esperaria de um "Simpósio Internacional”. Mais que isso: um Simpósio Internacional na USP. Calça larga, tatoos, chapéus, camiseta cavada. Sei lá, todo um visual um pouco diferente daquele congresso que tinha ido pouco tempo atrás.

Anyway.. começaram as mesas redondas, palestras, apresentações. Fiquei deveras impressionado com algumas das tecnologias a que fui apresentado. Mas, mais do que isso, fiquei curioso quanto ao método científico empregado. Já chego no método, antes vou dar uma pincelada em umas coisas tecnológicas que vi no evento.

Tecnologias alternativas

Bem por cima, algumas coisinhas que me chamaram a atenção. Não vou ficar nos detalhes técnicos, e vou apenas citar alguns resultados.
  • Tem uns caras que conseguem subir um servidor que, num raio de 5 km, provê telefonia celular (incluindo dados) pra quem está dentro dessa área. Isso usando aparelhos de celular normais mesmo, e sem pagar nenhuma conta. Pra uma potência que cubra esses 5 km, basta uma célula fotoelétrica carregando o dia todo. Ou seja, se alguém derrubar a Internet e a energia elétrica por algum motivo qualquer, ainda é possível continuar em rede por um tempo, enquanto durarem as baterias dos celulares e notebooks, ao menos. E se um desses aparelhos conectados na rede conseguir acesso à Internet de alguma forma, ele pode servir de gateway e conectar todos.
  • Esse projeto acima age num raio pequeno. Mesmo porque “a princípio”, para uma área grande, seriam necessários satélites. Maaas, “a principio” (as aspas tinham um motivo) precisaríamos de satélites. Na falta de satélites, estão pesquisando ondas curtas, de modo que o sinal bate na ionosfera e volta (a ionosfera fazendo o papel de satélite, e essa ainda não é controlada por ninguém). Como os radinhos de antigamente. Daria, por exemplo, pra conectar algumas daquelas células de 5 km entre si fazendo uma rede maior. Já está em teste uma conexão do Brasil com a Argentina, transmitindo dados. Ainda devagar, mas bem utilizável. A ideia é que funcione bem ainda esse ano. Depois isso pode ir se expandindo pra conectar outros países.

  •  Quanto à privacidade, tinha uma galera da França mostrando um Sistema Operacional chamado Tails. Você grava ele num cd ou pen drive e reinicia o micro micro a partir dele. Dai utiliza o micro incógnito. Não ficam rastros, nem na máquina utilizada nem na rede, de que alguém utilizou aquele micro. Ou quanto a que sites foram acessados, ou histórico de navegação, ou cookies de identificação, enfim...

  • Se você não for tão paranoico a ponto de usar todo um Sistema Operacional, tem uma rede “paralela” à Internet chamada Tor, ela te deixa navegar pela internet incógnito também. Basta baixar um browser (aparentemente um Firefox modificado) do site deles que já funciona de cara.
  • Outro dia li na BBC que o pessoal do Pirate Bay tá com uns planos pra colocar seus servidores no ar, literalmente: os servidores ficariam em pequenos aviões autônonomos pra dificultar ataques e apreensões. Isso aliado a nova forma de trabalhar com torrents de forma distribuida já em funcionamento (os Magnet Links), deixará o serviço bastante difícil de parar.
Bom, por ai vai... Muita coisa bacana acontecendo. Rádio digital, rádios comunitárias e o escambau. E muita coisa não bacana, como uns dados que vi sobre apreensões de servidores de núcleos de mídia independente acontecendo pelo mundo. Muitos no Brasil, aliás. Uma coisa legal é que respondendo a uma pergunta, na mesa redonda de encerramento do período da manhã, foi meio que consenso entre os palestrantes que ninguém fica sabendo tanto disso tudo porque não faz parte da filosofia deles ficar aliciando pessoas. Tipo quem quiser usa, quem quiser ajudar ajuda, os sites tão lá e os grupos físicos/presenciais. Mas como no geral as pessoas não vêm as questões da privacidade ou da contracultura como necessárias, não são eles (esses ativistas) que vão tentar evangelizar elas.

Ahh, sim... e os "anais" do simpósio eram escritos coletivamente, sem censura, e anonimamente, durante as apresentações. Tanto por quem estava assistindo presencialmente com os notebooks e tablets, quanto por quem estava de fora via streaming, de vários lugares do mundo.

O método, ou será o “against method”?

Agora. Além dessa parte de resultados, o que também me impressionou nesse contato foi o método.

A ciência, strictu sensu, é mais ou menos baseada na proposição de uma teoria que por sua vez tem uma base acadêmica Essa teoria é testada em laboratório sob condições controladas, e se mostra verdadeira ou falsa. Os resultados são empacotados em artigos seguindo regras normativas bem fechadinhas e se forem aprovados pelos editores das publicações especializadas em seu blind review (tenho minhas dúvidas se ele é tão cego assim), passam a constar como referência e embasamento teórico pra alguém que começa tudo de novo. Saindo algo lucrativo uma empresa copia (ou paga os direitos de uma patente) e cria algo em escala. Esses laboratórios controlados onde se testa a proposição teórica normalmente pressupõem organização, métodos, controle (ah vá) e... limpeza.

Já os laboratórios (se é que se pode chamar assim) e descobertas dessa “contracultura científica” (to ficando puto com esse termo, mas não consigo pensar em algo melhor) são baseados em pessoas interessadas que se dispõem a tentarem fazer algo. O foco está num objetivo e não em uma teoria. Principalmente quando esse objetivo é fazer algo que alguém disse que é impossível ou que não é permitido. Isso é feito diretamente no mundo real (sem ambiente controlado) e sob condições reais. Sem limpeza, organização ou outros aspectos muito “autoritários” e “sanitários”. Os protótipos de hardware impressionaram mais do que os de software porque com uma certa frequência são trambolhos feitos com peças coletadas e soldas “de fundo de quintal”, bem estilo filme de ficção de sessão da tarde da década de 80 (lembram do “Academia de gênios?”). A divulgação também é meio underground (olha o chavão de novo), muito mais baseada em redes próprias de informação do que em revistas tradicionais. Essas redes me lembram os antigos fanzines, embora baseadas na net. Ainda se usa muito IRC pra conversar...


Claro que um conhecimento teórico da ciência tradicional existe nesses pesquisadores. Como um cara teria a ideia de enviar ondas curtas pra se refletirem na ionosfera, ou de usar software defined radio para demodular uma onda eletromagnética e com isso fazer uma base de telefonia celular, sem conhecimento de eletromagnetismo, por exemplo? Mas o método, a filosofia e os objetivos a mim pareceram bem distintos.

Disseram-me (de novo meus amigos sociólogos, claro) que isso tem um pouco a ver com o “Against The Method”, um livro de 1975 de um tal de Feyerabend, mas ainda não tive disponibilidade de ler.


Os anônimos e a faça-cracia

Isso tudo me lembrou dos tais dos anônimos... Recentemente li uma matéria (que recomendo) sobre eles e o autor da matéria (Quinn Norton escrevendo pela Wired) chamou a forma de organização deles de “do-ocracy”, que eu tô traduzindo livremente pra faça-cracia. Na qual a liderança e coordenação são dadas pelo exemplo. Alguém vai e faz, outros seguem... ou não. No caso dos anon acho que isso é diferente da “meritocracia” comum nas comunidades de Open Source ou Wikipedias da vida, porque não sobra mérito de fato pra uma pessoa. As decisões e ações são por definição e por concepção anônimas, então o mérito vai pra um ente quase místico que é esse nome, Anônimos, cujo rosto é a máscara do Guy Fawkes, e que pode ser usada por qualquer um a qualquer momento. O lema deles, “we are legion” vem bem a calhar, afinal.

Bem louca a história desse movimento também, né? Pra quem não conhece, vai um resumão da história deles:

- Em teoria começa com uma sala de bate papo com imagens e... hmmm... anônima na qual tudo é permitido (a 4Chan),

- Esse ambiente com tudo permitido, e ainda por cima anônimo, junta um grupo de párias (ia usar o termo Misfit do inglês aqui, mas pária foi o melhor que achei pra mesma ideia. É bom?) e assusta a maioria das pessoas “de bem”. Muito palavrão e pornografia inclusive.

- Começam a se especializar em zuar todo mundo, LULZ, memes, Rick Rolls, etc.

- Um belo dia, em 2008, eles sacaneiam a Cientologia e o Tom Cruise

- A Cientologia revida tentando censurar o fórum.

- A galerinha das imagens sem censura e das zuações fica emputecida e resolve atacar a tal da igreja da cientologia. Fazem a primeira “operação”, a tal da “Project Chanology” pra aloprar com eles. Se organizam de maneira caótica, ou melhor, usando a fazer-cracia.

- Muita gente perguntava se o objetivo era atacar a igreja de fato ou se estavam apenas zuando. A chave é que a resposta é sim pras duas questões.

- Eles viram que teve repercussão, teve algum efeito no mundo real. Foi mais do que zuar e dar risada. Provavelmente aqui eles experimentaram o gostinho da revolução e dai foi difícil esquecer. Começaram a brigar pela bandeira da privacidade e da não censura.

- Começaram a aparecer nas ruas, fisicamente, representados pela máscara branca.

- Em 2010 tentaram prender eles, daí nova grande operação foi lançada, a OpPayback, ou, “Payback (Is a Bitch)”.

- Defenderam o Wikileaks com os ataques à Visa, Mastercard e etc.

- Tô com preguiça... então vai um monte de coisa incompleta aqui nesse penúltimo item: resolveram ajudar na liberação da Tunisia com o #optunisia, depois essa operação se quebrou em várias outras chamadas de FreedomOps, vários foram presos pelo FBI, quebraram-se em grupos mais radicais como o LulzSec e o AntiSec e com isso quebraram Sony e meio mundo, voltaram a ser um grupo só, ajudaram no Occupy Wall Street, bla bla bla...

- Hoje, enquanto escrevo, estão se movimentando em duas frentes pelo visto. Uma por uma banda punk que está sendo acusada por falar umas coisas num show. E outra frente, maior, contra uma tal tentativa, na Europa, de catalogar informações sobre raça, credo, opinião política e orientação sexual das pessoas para fins de censo.

Enfim, falei um monte de coisa do tipo “eles fizeram isso”, “eles fizeram aquilo”, mas o mais louco disso tudo é que não existem “eles”. Qualquer um pode ser um anônimo, e ninguém o é. As movimentações são quase anárquicas, surgem do nada e desaparecem da mesma forma, em várias contas de twitter gerenciadas por várias pessoas ou em salas anônimas de IRC. Se prende um representante, outros aparecem. Não há uma centralização a ser destruída pra assim afetar o resto. E uma proposta de ação (como essas duas de hoje) pode ter seguidores ou não, por definição ninguém sabe. Muito provavelmente as pessoas iniciais do movimento nem estão mais lá, vai saber.

Isso também é um tanto novo, né?

Ou não?

Ou na verdade tudo isso ai é carne de vaca, sem motivo de destaque, e eu que tava desligado demais? 

Diga-se de passagem, falando assim resumido sobre os eventos corro o risco de aparentemente supervalorizar a participação dos grupos em alguns eventos. Claro que tem muitos fatores a mais envolvidos e tals. Pulei também a parte das traições de uns membros junto ao FBI, e muitas outras coisas. Não dava pra escrever uma enciclopédia então foquei nas organizações e métodos que têm me chamado a atenção ultimamente. 

Tango down!

13 abril, 2012

Dança Macabra, ou "ahhh, o terror!"

Como hoje é Sexta-feira 13,  resolvi escrever um post comemorativo. Na verdade vou requentar e reciclar um review que escrevi de um livro esses dias atrás pra uma lista de e-mails da qual participo... Bora lá!
No final de semana passado, na páscoa, comecei a ler o livro "Dança Macabra" uma não ficção do Stephen King sobre terror. Mais especificamente sobre o gênero terror, como apresentado na literatura, rádio, tv e cinema. Assim como o resto da bibliografia do King, o livro é irregular; com algumas coisas interessantes e outras nem tanto. Mas no geral o saldo é positivo (e não tem como negar que ele tem um vasto conhecimento na área, quer seja como leitor, escritor ou professor universitário). Ao falar sobre o gênero terror, ele acaba mostrando muito da cultura americana e suas raízes também, uma vez que ele contextualiza sua gerarão (que eles chama de "filhos da guerra") e o que eles pensavam, que tipo de educação tinham, pra chegar em como os filmes o afetavam.

Apesar de ser (como é explicitamente assumido no livro) uma simplificação muito grande, ele começa por discutir 3 obras que seriam a "Santíssima Trindade" (trocadilho meu) do terror, e depois expande. Ainda não cheguei na parte que ele discute o radio, peguei literatura e parte do cinema até o momento. Mas vamos às três obras da Santíssima Trindade da literatura de terror...
Frankenstein
Representando o "monstro". Deformado fisicamente, e amoral por definição já que nunca foi ou será humano, não estando sujeito à nossa moral. Representa o horror externo ao ser humano. E mostra também que o horror inicial, que causa a posterior maldade do monstro parte dos humanos ao temer e odiar algo diferente.
O Médico e o Monstro 
Representando todos os que ele define como "contos de lobisomem". Nos quais um sujeito é bonzinho e socialmente aceito e. Em certas ocasiões, seu 'Eu' mais primata, reptílico e reprimido, se solta e horroriza. Mas depois, em algum momento, o humano socialmente aceito volta. Ele mostra que essa obra já tem boa parte da psicanálise Freudiana, que seria publicada 30 anos depois. Id, Ego e Superego estariam representados inclusive na figura da casa e da porta por onde o Mr. Hide sai. Ele comenta que até Psicose, do Hitchcock se encaixa como um "conto de lobisomem" com o mérito de ter trazido o "monstro" pra vida cotidiana, alguém normal como nós. Até o momento da escrita do livro pelo menos, a atuação em um filme baseado nesse livro tinha rendido o primeiro e único Oscar de melhor ator pra uma atuação em filme de terror.
"Drácula" 
O "vampiro". Já foi humano mas depois de experimentar o sangue se torna algo além, e que devido a vários fatores (imortalidade, necessidade de alimentação, ...), se torna inimigo. Aqui também entram desejos sexuais reprimidos (por vezes violentos) e tals, bem como a sedução que o lado negro exerce. Não preciso me alongar muito que todos conhecem bem o velho conde.
Só 3 monstros originais?
Esses 3 arquétipos acima na verdade seriam complementados pelo do "Fantasma" que ele opta por não discutir por algum motivo, mas sugere que se leia um tal de "A Volta do Parafuso" de um tal de Henry James, e que eu preciso adquirir urgentemente. Ai sim os 4: Monstro, Lobisomem (representado pelo Mr. Hide), Vampiro e Fantasma, montariam a base "cartesiana" pra todo o resto.
O "Monstro" mais desconhecido dos 3
O melhor dos 3 livros seria o Frankenstein. King discute que, infelizmente, a maior parte das pessoas não leu justamente esse (mesmo os adeptos da literatura sobrenatual). Por isso conhecem apenas o Frankenstein do cinema, aquele que é burro e mal fala, e não o culto leitor de filosofia e com uma fala eloquente que é o monstro original.

Adivinhem qual dos livros citados eu não tinha lido? Justamente o Franskenstein, então a crítica dele quanto a esse ser pouco lido me vestiu a carapuça direitinho. O Drácula já li e reli inúmeras vezes, o Médico e o Monstro tenho uma edição de colecionador bem bacana, com desenhos, cópias de manuscritos, artigos publicados na época e etc.

Como o mundo tá cheio de coincidências, domingo de Páscoa (enquanto ainda lia o Dança Macabra) eu estava esperando o ônibus de Ribeirão Preto pra São Paulo e passei em frente à banquinha de jornal. Qual livro estava destacado em promoção? Frankenstein, claro!. Comprei na hora e já li mais de 100 páginas dentro do ônibus mesmo. Cheguei na parte que mostra o monstro ontem e realmente o discurso dele pra com seu criador é bastante culto e eloquente. Mas parei no primeiro encontro entre os 2, amanhã continuo o livro e vejo onde isso vai chegar. O livro tá interessante até o momento.
Só isso?   
Em tempo: nessa obra ele cita inúmeros outros livros e filmes de horror, inclusive casos da bíblia ou filmes da Dysney (Joãozinho e Maria, por exemplo, sugere canibalismo claramente). Cita vários filmes de horror clássicos, principalmente das décadas de 30 à 50 que dá vontade de (re)ver. Se der ânimo vou tomar nota dos filmes discutidos e baixá-los pra fazer uma imersão num final de semana qualquer (ou vários finais de semana quaisquer). Cita outras vertentes como Edgar A. Poe, e também fala muito do Lovecraft. Essa "resenha" é apenas focando nos 3 livros base citados.
É interessante notar que essa seleção parece retratar, ambivalentemente, a fascinação e o temor com relação ao desenvolvimento da sociedade além de serem histórias criadas e ambientadas no Século XIX; ambientados na Inglaterra; e que se referem de certa forma à tecnociência (talvez com exceção do Drácula nesse último quesito).  Elas trazem uma mensagem "moral" também (bem comum no terror) do tipo: não tente brincar com a natureza, ou se igualar a Deus, ou mesmo dar vazão a seus desejos carnais mais íntimos, isso levará a consequências trágicas pra você e seus familiares.
Os consumidores do gênero terror
Segundo Mr. King conta existem muitos estudos sobre consumidores do gênero terror. Muito mais estudos do que sobre consumidores de outros gêneros. Nenhum acadêmico se propõe a analisar quais motivos levam alguém a gostar de comédia... ou poesia. Existem alguns sobre consumidores de ficção científica, mas nãos são tão abundantes como os estudos sobre quem gosta de terror. Acreditando no autor quanto a esses dados (bom, ele pesquisou muito pra escrever esse livro e dá aula em algumas universidades sobre o tema), dá pra viajar aqui e fazer um paralelo. Nas obras analisadas sempre tem uma parte comum que é o fascinio, a sedução e, muito mais forte que esses, o medo pelo desconhecido, pelo diferente. E uma vontade de trazer o diferente pra normalidade ou pelo menos analisá-lo, dai os "normais" não ficam mais tão incomodados. Será que os consumidores do gênero terror também são, eles próprios, considerados diferentes e marginais nos circuitos de literatura e de cinema enquanto arte (no geral o gênero é mesmo considerado menos "nobre", ou menos sério - junto com a ficção científica que seria o segundo grupo de leitores mais estudado), e são estudadados - por isso mesmo - com mais afinco pelos "normais"? Viagem, né?
Twitter é pros fracos :)
Viram só, através de minha "arte de enrolar" consegui usar trocentas linhas pra um post que se fosse criado automaticamente pelo meu Skoob pra ir pro Twitter diria apenas:
-- "Matheus está lendo Frankenstein, de M. Shelley"
PS.: Post relacionado:  O terror e as origens do cinema

01 abril, 2012

Meus flertes com um novo tipo de heresia

A "Hora do Planeta", em Atenas

Quando escreveram sobre o Ofício do Sociólogo, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Chamboredon conseguiram expor, de forma bastante eloquente, a necessidade da Sociologia superar o senso comum, e principalmente o senso comum sociológico. Essa tarefa é mais fácil em alguns casos, e praticamente impossível em outros. Certos assuntos são protegidos ou por uma falta de conhecimento generalizada - é difícil questionar o que não se conhece, afinal! -, ou por estarem muito protegidos por uma aura ideológica que, por definição, proíbe certos tipos de questionamentos, para evitar qualquer ataque à sua lógica interna.

Esse tipo de interdição do questionamento parece ser fundamentalmente relacionado com formas de conhecimento não-modernas (religião, por exemplo). A Ciência e as discussões políticas embasadas nela seriam, em um primeiro momento, muito mais abertas ao escrutínio e discussão sistemáticos, pois o ceticismo seria um pressuposto de sua construção. Na prática, eu creio, a conversa é outra.

O ecologismo e o ambientalismo, e as ações políticas e coletivas decorrentes deles, me parecem ser (apesar de declarações em contrário) especialmente habilidosos em jogar com modalidades não-modernas e não-científicas de construção de consensos. Os elementos morais envolvidos na ciência do aquecimento global, por exemplo, são tão visíveis que chegam a ser descarados: em certos círculos é melhor não questionar o consenso em torno do aquecimento global, sob pena de ser submetido à um doutrinamento bastante eloquente sobre a destruição apocalíptica da terra e o papel do homem em evitá-la!

(não que eu defenda o predomínio completo da Ciência e da racionalidade na vida cotidiana; o meu problema é o evidente paradoxo de um ramo do conhecimento advogar para si a neutralidade da Ciência e, ao mesmo tempo, ser tão abertamente ilógico, sectário e sustentado em auto-referências).

As semelhanças entre algumas religiões e o ecologismo de ocasião são abundantes. O elemento apocalíptico e as noções de causalidade e culpabilidade que apontam para os desastres como resultado direto de alguma violação comportamental do Homem são as facetas mais filosóficas da coisa toda. Mas o fenômeno tem também sua dimensão prática, construída silenciosamente, sem muita gente perceber!

A “Hora do Planeta” e a Sexta-feira Santa são para mim dois exemplos do mesmo fenômeno: ambos tem a função manifesta de reafirmar a adesão à certas crenças, e a função latente de reforçar a coesão social. São ritos que são conduzidos no piloto automático, muito mais como uma série de ações pré-determinadas e imprescindíveis, conduzidas de forma litúrgica, do que como uma oportunidade de reflexão verdadeira sobre os pressupostos do dia sacro-santo. Curiosamente, do meu ponto de vista agnóstico, os sermões religiosos relacionados à Páscoa parecem ter muito mais de reflexividade do que ações como a famigerada “Hora do Planeta”. (ponto para os cristãos!)

A “Hora do Planeta” baseia-se na premissa de que o ato de desligar a iluminação de monumentos e prédios públicos e de residências, durante uma hora, uma vez por ano, é um ato significativo para a conscientização sobre os problemas do uso de combustíveis fósseis (não cabe aqui discutir a total impossibilidade que seria analisar os irrisórios efeitos práticos diretos de tal ato). Do ponto de vista da coerência interna, é totalmente válido e relacionado com o “estilo de pensamento” postulante. Aliás, é o correlato funcional do ato de não comer carne na Sexta-feira Santa, para lembrar do martírio de Cristo - é um ato simbólico, com uma função doutrinária bem clara. Nesse aspecto, como não-praticamente tolerante, eu deveria me ater ao meu ceticismo e deixar cada um agir como melhor lhe aprouver.

O problema é que os ecologismos e ambientalismos são muito mais poupados do escrutínio sistematizado do que as religiões (apesar de serem, na minha opinião, assemelhados, como se fossem parentes distantes). Apesar de uma quantidade considerável de trabalhos sociológicos sobre o tema, ainda é muito difícil ultrapassar o senso comum (e o senso comum sociológico). Assim, iniciativas como a “Hora do Planeta” são vistas (mesmo pelos supostamente esclarecidos praticantes das Ciências Sociais) como ações positivas ou, na pior das hipóteses, como algo a ser ignorado. A capacidade de análise crítica sobre o tema parece ser inversamente proporcional ao apelo e penetração atual do tema em diferentes espaços sociais.

A “Hora do Planeta”, como o próprio nome indica, só é possível em um contexto de globalização - ou seja, a noção da existência de problemas globais e da necessidade de ações globais só é possível em uma sociedade que oferece as condições tecnológicas e institucionais para isso: sem as tecnologias de comunicação e as instituições e organismos “transnacionais” não existiria a noção de problema ecológico global. Não sou exatamente especialista em “globalização”, mas sei que o fenômeno tem consequências práticas, muitas delas negativas, que sequer são problematizadas em ocasiões como a “Hora do Planeta”.

Vejamos: a noção do risco de aquecimento global, quando interpretada superficialmente, dá conta que os riscos seriam divididos de modo indistinto, como se todos os povos e nações fossem igualmente afetados e, portanto, como se todos fossem igualmente responsáveis pelos efeitos negativos passados decorrentes da exploração indevida dos recursos naturais e, em especial, pela mitigação futura dos problemas e desastres relacionados. De fato, os riscos são sempre distribuídos desigualmente e os países e comunidades pobres são frequentemente mais vulneráveis ao risco. No entanto, essas nações e comunidades vulneráveis dificilmente são aquelas que contribuíram de forma direta para a produção dos riscos: um país sub-desenvolvido provavelmente possui, em toda sua história, uma pegada de carbono muito menor do que um país desenvolvido.

Assim, para além da percepção da distribuição “global” dos riscos, se procede uma incorreta distribuição da causalidade (e, portanto, culpabilidade) dos riscos. O movimento retórico é sutil, mas não é desprezável: ao pedir que todos apaguem as luzes, estamos responsabilizando em igual medida e critérios países tão distintos quanto os Estados Unidos e Angola! O “apagar das luzes” pode ser simbólico, mas a mensagem que ele passa e a cultura que ele ajuda a sustentar é absolutamente assimétrica em sua prescrição: retoricamente, exige-se dos países menos industrializados um comportamento de mitigação que os países industrializados historicamente nunca tiveram!

Isso não significa negar a “realidade” dos fenômenos de aquecimento global e similares, mas problematizar a política por detrás da percepção existente sobre eles; sobretudo, é bom lembrar que os países mais pobres são justamente aqueles que tem menos condições de lidar com os potenciais efeitos do aquecimento global, tal qual ele é entendido atualmente. Existem momentos, no entanto, que uma concepção globalizada sobre os problemas ambientais pode ser contra-produtiva. O caráter ritualístico de apagar as luzes na “Hora do Planeta” é essencialmente fetichista, sem função prática direta. Por conta disso, ele pode funcionar como uma “politização desmobilizante”: apagar as luzes torna-se um fim em si mesmo, um ato que tem início e fim demarcados e pouca conexão com o fato gerador da ação. Apagadas as luzes, os cidadãos globais lidam com o problema, para imediatamente esquecê-lo (assim como acontece com a interdição do consumo de carne na Sexta-feira Santa). Ao contrário de manifestações políticas mais tradicionais e diretas (das greves às passeatas nas ruas), onde os posicionamentos políticos são demarcados e os posicionamentos ativamente definidos, as ações como a “Hora do Planeta” esvaziam o tema de qualquer antagonismo ou conflito - o que sobra, a exemplo dos fenômenos religiosos - é uma noção de solidariedade, que em muitos casos escamoteia as tensões decorrentes da vida política. Mais do que isso, o ritual de expiação do apagar anual de luzes dá uma impressão (na maior parte dos casos, eu suponho, falsa) de comprometimento. Ao politizarmos o tema desse modo específico, estamos na verdade esvaziando seu significado: paradoxalmente, ao apagar as luzes, todos nos responsabilizamos, mas em ninguém recai a culpa.

A atribuição de culpa, fenômeno humano tão universal (Mary Douglas que me corrija), fica reservada então para a dissidência. Não agir ecologicamente hoje significa, inevitavelmente, comprometer o futuro comum. Por isso, a adesão aos cânones do ecologismo normalmente não permite muito questionamento e interpretações divergentes. É claro que o ecologista e o estudioso possuem um repertório conceitual suficientemente elaborado e amplo para expandir e até mesmo suspender a crença nos limites conceituais de sua atividade, como é esperado em uma discussão produtiva em um contexto democrático. Mas o leigo sempre vai ter acesso à versão mais estável e, portanto, mais conservadora da teoria científica. Isso, aliado aos espetáculos midiáticos como a “Hora do Planeta” produzem uma ignorância involuntária, cujos efeitos podem os mais curiosos: admita, não é preciso procurar muito para encontrar alguém que apague as luzes conforme o pedido da WWF, mas que insista em sair de carro para comprar pão! Ou pior: não são raros os indivíduos que aderem à causas globais e são completamente alheios à causas locais, ecológicas ou não, que o afetam diretamente (num desacoplamento entre tempo/espaço característicos da modernidade e suas consequências como - vejam só! - a globalização! Não é, Giddens?).

Para todos aqueles que se consideram pessoas ecologicamente conscientes, meu pedido de desculpas pelas profanidades expostas acima. Sim, eu sou um herege. Mea culpa, mea maxima culpa. Acontece que estou professando aqui meu outro credo, as Ciências Sociais, e me incomoda ver um assunto tão importante ser tratado de forma tão leviana. Não se trata apenas da “Hora do Planeta”, mas de uma postura geral sobre os problemas ambientais: atualmente, negar a ação humana como causa do aquecimento global é tão vergonhoso como negar Cristo por três vezes! Assim, meu esforço, antes de desrespeitar um tipo de pensamento, é para compreendê-lo melhor e se possível reforçar seus argumentos. Em linhas gerais, digamos que compartilho da causa, mas não das formas de mobilização adotadas. Em especial, argumento pelo meu direito de ser um dissidente em um contexto democrático, sem necessariamente ser tratado como um herege.

De qualquer forma, “folgo em saber” que ao menos não serei queimado vivo, como as bruxas e hereges de outros tempos. Afinal, todos ecologistas sabem que as fogueiras destroem madeira e aumentam os problemas com o efeito-estufa! Por outro lado, também os churrasquinhos humanos de outrora tinham funções sociais que iam muito além de acabar com o problema, em si. Assim como a “Hora do Planeta”, também serviam para conscientizar! “Ou não” ;)

15 março, 2012

Crônicas da Cidade Grande: Pessoas Invisiveis!

Me mudei pra São Paulo recentemente, e tenho feito várias reflexões sobre as diferenças entre essa cidade e outras onde vivi, coisa de pensamento durante uma viagem de metrô e tals.
  
Um dos efeitos colaterais da cidade grande: Pessoas Invisiveis!

Um causo ainda em Campinas

Outro dia, em Campinas, um cara veio pedir uma contribuição pra gente na rua (roupa, dinheiro, o que seja). Sua história é que tinha acabado de sair de um presídio, que tinha feito merda sim, mas agora o governo soltou ele na rua e ele tinha que pelo menos chegar à cidade natal e tentar recomeçar. Bateu um papo conosco, comentou de como a aparente vida fácil trazida pelo crime foi um tiro pela culatra e etc. Sei lá, acreditamos e demos algo que eu tinha no bolso no momento, coisa de 5 reais. Bom, a história é longa e envolve algumas coincidências, mas o fato é que depois de algum tempo acabamos andando pela cidade procurando o cara pra doar umas roupas. Achamos ele. A expressão de gratidão e de incredulidade dele compensou toda o trabalho de andar procurando o cara. Sério, foi bem gratificante. Ele não acreditava que alguém pudesse ajudar dessa forma.

Sampa

Corta pra São Paulo. Como ando a pé e de transporte público, e como não moro no mundinho de fantasia de alguns bairros da zona sul - em Campinas eu morei em "mundos de fantasia", cada um por seus motivos: Barão Geraldo e depois Cambui - vejo pessoas necessitadas com muito mais frequência. De quando em quando algumas vem pedir algo, de quando em quando algumas vem vender algo. "Olha o amendoin torrado, 50 centavos!", "Halls e Freegel, 1 real. São os últimos", "Preciso de 2 reais pra inteirar minha passagem, por favor", "Minha filha precisa de leite"...

Eu costumo vir pro trabalho com os passes do trem da ida e o da volta e com 2 reais pra um suco de laranja de café da manhã. Sério, só isso. Pro almoço tenho o vale refeição, e não curto ficar andando com dinheiro na carteira. Um dia ou outro me compadeci de alguns dos pedintes e dei esses 2 reais pra essas pessoas. O pensamento era algo do tipo:

-- "Puxa, eu ficar sem um suco, sendo que daqui a pouco almoço em um restaurante elitizado comendo do bom e do melhor, versus a possibilidade de ela estar falando a verdade e a criança precisar de leite. Foda-se o suco".

Mas isso se repete... Se um quer comida, outro quer remédio, outro quer inteirar a grana da passagem, outro acabou de sair do presídio... Chega uma hora que meu pensamento muda:

-- "Porra, eu trabalho o dia todo, as vezes trabalho estressante. Não sou consumista, não fico gastando grana com balada, roupas de marca... Não desreipeito as pessoas. E não ganho o suficiente pra juntar capital, apenas pra levar o dia a dia sem luxo, não tenho carro ou moradia própria...  (Levo o dia a dia muito bem, por sinal, não tenho do que reclamar). Quer saber, tenho direito sim a meu suco de laranja e o que mais queira fazer com minha grana. Não posso ficar dando dinheiro por ai baseado em achar que meus gastos são menos nobres".

Um amigo, o Sangue, falou sobre definir um ponto a partir do qual você poderia doar sem se prejudicar. Mas qual é esse limiar? Ficar sem um jogo novo de video game, ou com uma internet mais lerda, seria me prejudicar se comparado a uma criança sem comida?
 
As Pessoas Invisíveis

Ai entram (ou saem) as "Pessoas Invisíveis".

Como? Quando você faz contato visual, quando mostra respeito, compaixão... quando conversa... eles - os excluidos, os carentes, os pedintes - insistem. Andam junto com você por um tempo. Fazem chantagem emocional. Tem uns que olham o quanto tenho na mão (ao pegar o troco na estação, por exemplo) e contra argumentam quando digo que não tenho ou que não quero doar. Que fique claro: isso não acontece todo dia, não acontece toda hora. Na maior parte dos dias minha caminhada é super tranquila. Mas acontece com uma frequência maior do que no interior (seja Campinas, seja Ribeirão). E isso, de ficar discutindo e ouvindo chantagem emocional, é desgastante, te deixa deprê, ou com raiva, ou te faz perder tempo (que as vezes é curto nessa correria que é São Paulo).

Um pouco de foco agora

Veja que não estou me escondendo atrás do argumento de que poderia ser mentira, de que esse dinheiro iria pra drogas, etc. Isso pode acontecer, deve acontecer, mas não é esse caso que me deixou filosofando. To falando de situações em que voce assume que a necessidade existe, de fato (quer seja por bondade, inocência, indícios, não importa).

Finalmente, a invisibilidade

Qual a saída? Não as ver mais essas pessoas como pessoas. Passar reto, sem contato visual, sem demonstrar piedade. São objetos, parte da paisagem urbana. Nunca consegui levar isso ao extremo, mas percebo observando as ruas que pessoas antipáticas de verdade se saem mais rápido dessas situações.

E eu?

Me perguntei quanto tempo Sampa vai levar pra me quebrar, e tornar alguns seres humanos invisíveis pra mim. Parte achou que "Isso não vai acontecer nunca, você não é assim", mas parte pensou "ha ha... vc só tá aqui a 15 dias, espera pra ver".

Sociologia do dia a dia

Pelo menos não estou sozinho nessa. O Rolo me disse que me deparei na prática com um dilema antigo da sociologia: Gemeinschaft (comunidade) versus Gesellschaft (sociedade).

A ideia é que em aglomerados humanos menores, as relações sociais são dirigidas por relações de proximidade e solidariedade, enquanto que nos grandes centros urbanos, são utilitaristas e individualistas. Pelo visto há sociólogos que expandem esse raciocínio analisando os mecanismos práticos de anonimato nas cidades (não cruzar o olhar em transporte público, ignorar pedintes, etc). A ideia seria que ignorar alguns dos problemas sociais da cidade grande no dia a dia não é bem uma questão de moral ou ética, mas uma necessidade prática. Sempre agir altruisticamente em um ambiente de Gesellschaft iria contra a tendência de individualização e especialização que é característica da vida em grandes aglomerados urbanos. Desse modo, quando mudamos para a cidade grande, deixamos de lado algumas relações de solidariedade e ganhamos, em troca, outras coisas (por exemplo, o anonimato).

Como será que isso funciona quando você volta pra comunidade pequena, esses mecanismos continuam agindo? Se sim, você vai parecer uma pessoa mais fria do que é... Mas se bobear a gente vai levando e usando as máscaras sociais de acordo com as situações... ou não.

13 março, 2012

Curadores Sociopatas

Outro dia li um post recomendado pela Alicia Alao que defendia um novo jornalismo, onde o papel do jornalista deixaria de ser o de "porteiro" e passaria a ser o de "curador" das notícias. Lembro que o texto era bacana e tals, mas não lembro detalhes. Em linhas gerais, nesse mundo de superinformação e de participação cada vez mais ativa da população na criação das notícias, caberia ao jornalista curador contextualizar, selecionar, filtrar e sugerir informações. Algo análogo ao curador de arte de um museu.

Tá. Dai na semana passada, no Happy Hour de lançamento do livro da Marcia Tait, eu, o Rodrigo Botelho, e uma professora cujo nome eu não me lembro (e acho que nem perguntei, por que já saímos discutindo o sentido da vida direto sem apresentações), estávamos falando de todas as coisas do mundo e passamos pelos algoritmos da Google. E em como eles, os algoritmos, selecionam o que aparece nas páginas de busca e em que ordem. Conversa vai, conversa vem, e uma idéia surgiu.
O novo curador de informações
Hoje em dia, por mais que já se esteja falando no jornalista curador, acho que posso afirmar que o principal curador de informações do mundo digital é o Google. Você vai lá, digita seu termo, e ele mostra umas páginas. Na grande maioria das vezes a gente se contenta com algo que esteja na primeira página de resultados da busca. Ou seja, a gente se contenta em escolher um entre 10 dos pré -selecionados pelo Google (dentre as milhares e milhares de páginas existentes). Bela seleção, não? Esse filtro ajuda? Ôh! E muito, uso sempre e vou continuar usando. Um mecanismo como esse, que auxilie na busca de informações da Internet, é indispensável. E a Google faz isso muito bem. Sendo justo, o Google é apenas um exemplo, justamente devido ao grande serviço que é (e é mesmo muito bom, não tô sendo irônico), mas o mesmo vale pros links dos portais em geral, Yahoo, feeds no Facebook, etc.
 
O curador psicopata
Mas aquele papo acima era conversa de boteco, então tínhamos que filosofar, não dava pra parar no elogio ao algoritmo deles. E qual foi o devaneio? Esses algoritmos da Google usam matemática, estatística, dinheiro, análise do conteúdo, análise de nossos dados, etc, e geram a lista de resultados. Porém ele, o algoritmo, não é humano. Ele não tem ética, não tem empatia ou compaixão, não tem opiniões políticas ou sociais, medo, ou dó. Ele é um algoritmo, uma fórmula matemática. E qual a definição de sociopatia? É um distúrbio caracterizado pela ausência de empatia com outros seres vivos, pelo descaso com o bem estar do outro, pela indiferença por normas sociais, indiferença pelos direitos ou pelos sentimentos alheios. Ou seja, pro bem ou pro mal, nosso principal curador de informação hoje em dia é um sociopata! Por definição!
Um dos efeitos disso que dá pra vislumbrar é que um algoritmo não vai valorizar algo devido exclusivamente a fins políticos ou partidários ou devido a opiniões tendenciosas, ou a preconceitos pessoais, etc...  
Outro efeito que dá pra vislumbrar é a não valorização, ou em caso extremo, até a exclusão, da dissidência: se todos clicam na foto da mocinha do BBB que mostrou os peitos logo de cara em detrimento de clicar nos links dos conflitos no mundo árabe, os algoritmos vão se adaptar pra mostrar esse primeiro tipo de notícia em detrimento do segundo. No longo prazo, não verei mais boa parte das notícias de política, pra ver as mocinhas bonitas que serão as coisas mais sugeridas pra mim pelos algoritmos. Tem problema em clicar de cara na matéria dizendo que a moça mostrou os peitos? Talvez sim, talvez não. Não é o caso aqui. O que talvez devesse ser visto com olhos críticos (principalmente por nós da TI que criamos tais algoritmos) é que os algoritmos que curam a nossa informação estão aprendendo com isso, e eles não têm bom senso. Muita informação fast food pode acabar ecplisando alguma informação mais nutritiva.
 
Um livro bem caro
Pra dar um exemplo de como um algoritmo não tem muito bom senso, recentemente teve o caso de um conflito entre 2 algoritmos que davam preços de livros para duas livrarias, a Bordeebook e a Profanath. Coincidentemente aconteceu de os 2 algoritmos estavarem olhando ao mesmo tempo para o preço do mesmo livro, o "The Making of a Fly", de Peter Lawrence. Quando uma das lojas aumentava o preço, o algoritmo da outra loja percebia automaticamente e aumentava o preço também. E isso ficou em ciclos. O livro chegou a mais de 20 milhões de dólares até alguém perceber. Ou seja, aquela fórmula matemática que dava o preço do livro não tinha muita noção de valores, afinal, por bom que o livro seja, 20 milhões é sim um pouco fora da realidade. Se fosse um ser humano colocando preços, talvez percebesse algo estranho quando o preço chegasse aos seus 2 milhões de dólares:)

Além das buscas
Isso, de usar algoritmos pra "curar" informações, vai além de páginas de buscas, em iniciativas como essa:

"University of Bristol scientists claim to have developed software that can spot whether a song has hit potential. The program looks at 23 separate characteristics including loudness, danceability and harmonic simplicity. Trained using hit songs from the Top 40 over the last 50 years, the software can predict chart positions. "
(Fonte: http://www.bbc.co.uk/news/technology-16218284)

Ou seja: softwares analizando a música e já avisando a produtora e os investidores se a música fará ou não sucesso. Isso pode até definir o investimento ou não no músico em questão. A pergunta que fica é: e a "inovação"? E a música que trouxer algo novo, que ainda não seja possível prever a partir de dados históricos? Talvez ela fique de fora sem um olhar humano sobre ela (meio sinestésica essa frase, né
?). Aliás, um dos itens analizados automaticamente me assusta, "simplicidade da harmonia". Existe iniciativa semelhante pra roteiros de cinema, mas o link não tá comigo agora.
Hoje mesmo o Fabio Fantato me falou de um sistema que diz aos blogueiros sobre qual o tema eles deveriam escrever pra fazer sucesso e virar hit no dia em questão.
Tem também esse estudo, anunciado no Olhar Digital, que diz que as crianças confiam mais no Google do que em seus pais! E por ai vai...
(fonte: http://olhardigital.uol.com.br/produtos/digital_news/noticias/estudo-criancas-confiam-mais-no-google-do-que-nos-proprios-pais)

 
E dai, que fazemos?
Qual a saída? Não sei se tem que ter uma saída, isso é uma reflexão, um olhar crítico. Sei lá, os jornalistas curadores da Alícia talvez ajudem. Ou, e essa é minha saída pessoal, as redes sociais. Sejamos curadores uns dos outros e através de nossas redes vamos achando e sugerindo informações. Algo meio que no sentido de “inteligência coletiva” do Levy. Sem endeusar as tais redes como solução infalível, mas tem sido meu filtro e minha maneira de divulgar o que acho de interessante pra quem queira ler. No caso de conhecer músicas, quando morava em Campinas ouvia a Rádio Muda, aqui em Sampa ainda não achei uma equivalente. E por ai vamos...
 
PS: Sociopata e Psicopata são termos intercambiaveis, pelo menos assim me disse meu curador sociopata.