Chávez: Ame-o ou
odeie-o!
Ou não: apenas “reposte” o que chegar a suas redes sociais.
Mas num
olhar mais crítico, até que dá pra entender e reconhecer a importância política da
figura de Hugo Chávez. E até reconhecer seu destaque na política internacional, em
especial no papel da América Latina.
Quase
sempre visto pelas pessoas e pela mídia sob a ótica do bipolarismo: esquerda
versus direita, bom versus mal, comunismo versus capitalismo, mocinhos versus
bandidos, isso se reflete nas minhas redes sociais hoje. Defensores ferrenhos
de um lado (inclusive com teorias de conspiração de que o câncer tenha sido
causado pelos Estados Unidos, aparentemente iniciadas pelo próprio governo
Venezuelano) versus acusadores de outro (incluindo piadas dizendo que o câncer
foi bem vindo, e que alguns – 2 - líderes brasileiros deveriam seguir o exemplo).
E não só
nas redes sociais digitais não, também nos corredores e no café durante o dia de hoje ouvi um
monte de coisas esquisitas sobre o assunto. Todos cheios de razão em comemorar
a morte desse demônio louco.
Eu acho
bem foda esse negócio de alta polarização ideológica, embora admita que no caso do
chavismo na Venezuela isso tenha sido um elemento de coesão interna. Mas por
outro lado essa polarização e simplificação causa amores e ódios (acho o último algo mais prejudicial que o
primeiro) que cegam um pouco e acabam dificultado uma análise racional. O mesmo acontece com a Cuba de
Fidel, o "Imperialismo Yanque" americano, ou até mesmo a Argentina de Perón. Pra ficar só na América.
E a
visão da maioria da população acaba sendo apenas aquela passada e influenciada pela grande
mídia que fatalmente e via de regra segue a linha editorial/ideológica de um dos lados desse
bipolarismo. Afinal, nem todos se interessam por história ou geografia, ou por
lerem diversas fontes – e não tem nada errado nisso.
Então, motivado mais pelo que estou ouvindo nos corredores e elevadores do que por qualquer coisa, resolvi
falar também. Meio como uma catárse, saca? Mas, prolixo que sou, faço isso na forma de um textão, claro (espero que de vez em quando alguém leia).
Vou tentar
mostrar que a figura dele tem certa importância mas tentando basear um pouco em fatos históricos, e análises políticas, tentandome livrar um pouquinho daquela ideologia bipolar. Sei que é impossível alguém escrever um texto sem influência de suas próprias crenças, então leiam com senso crítico.
Um "mea
culpa" antecipado: não sou cientista político. Não sou especialista em
política internacional. Sou engenheiro de software. Apenas gosto de ler
jornais e tenho a mania irritante de ter opinião, ainda mais quando se trata de casos em
que a mim me pareça que as notícias não mostram tudo e as pessoas saem opinando
mesmo assim. Se eu errar em qualquer fato histórico ai, me digam!
Um pouco sobre as relações
geopolíticas internacionais
Exercitando uma visão
mais preocupada em compreender os processos de mudança geopolítica do nosso
continente podemos ver que ele, o Chávez, representou um enfraquecimento
considerável na esfera de influência dos Estados Unidos por terras latinas.
Talvez também se perceba que o governo de Bush filho também contribuiu tanto
quanto para esse enfraquecimento da presença americana, mas claro que isso não
é noticiado na mídia local lá nas terras do Tio Sam.
Isso foi
uma mudança histórica. Alguns chamam de avanço, outros de retrocesso. Mas foi
uma mudança.
Pausa pequenina pra falar da pessoa dele, mesmo na parte dedicada ao contexto político: O Chávez ajudou muito a montar imagem caricaturada que se faz dele, sem dúvida. Nesse caso de anti-americanismo, o
jeitão populista de falar, o verbo solto ao falar sobre os Estados Unidos, tornam ele um cara excêntrico. Numa
entrevista ao Oliver Stone (vou postar o link abaixo), ele fala de uma visita
americana assim “Ontem mesmo o diabo estava aqui, esse lugar ainda esta
cheirando a enxofre!”. Olha outras frases de efeito do figura aqui numa "coleânea".
Mas, voltando à tentativa de "despersonificar" a análise, e olhando alguns processos de mudança
geopolítica do nosso continente, continuo. Uma sinergia de vontades políticas começa a
acontecer ai. Enquanto Chávez faz seus discursos populistas e cheios de ataques
diretos, a Argentina começa a mostrar um exemplo de fiasco do neoliberalismo e
Brasil atrapalha a negociação da Alca, a (última?) tentativa de manutenção das
relações anteriores do poder norte americano aqui no continente.
Projetos
e políticas de interesse comum entre Venezuela e Brasil começam a levar a um
projeto sul-americano, com uma expressão política e institucional bem mais regional, na
forma da Unasul (União
de Nações Sul-Americanas).
Não que
essa organização seja a panaceia (gosto dessa palavra, é mais ou menos “cura
pra todos os males”), não, com certeza não é: Ainda há muita diferença e conflito por aqui (Ahh vá?),
mas pelo menos oficialmente (e quero crer que um pouco na prática também)
passou a valer o princípio da boa vizinhança e da convivência em paz.
Outros
temas mais calientes também começam a ser discutidos: defesa, combate ao
narcotráfico, participação global, ajuda mútua para o desenvolvimento. Cria-se Celac
(Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos). E (agora a coisa ficou
séria!) Cuba (!!) começa a ter conversinhas nesse grupinho regional. Recentemente
Raul Castro chegou a assumir a presidência da Celac. Copiando
a conclusão do jornal pra não dizer que é minha:
“Cuban President Raul Castro assumed the presidency of the Community of Latin
American and Caribbean States on Monday in a demonstration of regional unity
against U.S. efforts to isolate the communist government”.
A
Venezuela, do demônio Chávez, se torna muito forte nessa união regional. Mostra
disso são as parcerias feitas via a Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da
Nossa América), segundo a qual a Venezuela acaba ajudando com petróleo alguns
países, em troca de força política, claro. E no caso de Cuba, em troca de ajuda
médica. Da BBC, pra não
dizer que tô escrevendo sozinho:
“[a Alba] hoje agrega Venezuela, Equador,
Bolívia, Cuba, Nicarágua e os pequenos países caribenhos de Antígua e Barbuda,
Dominica e São Vicente e Granadinas. O bloco conta com a cooperação econômica
da Venezuela - um dos maiores produtores de petróleo do planeta. Segundo
analistas, Cuba é um dos países que mais depende da cooperação venezuelana. O
governo de Raul Castro recebe cem mil barris de petróleo por dia com preços
subsidiados. Havana retribui com serviços médicos.”.
Além disso,
e aqui uso as palavras da Folha,o Haiti
também teve alguma ajuda. Quem acompanha as mídias sabe como eles estão
(desculpem meu francês) se fudendo por lá. Mas como esse país não tem muito a oferecer, não
vejo os países bonzinhos de sempre se envolvendo muito:
“Deve-se sublinhar
aqui a ajuda oferecida ao Haiti nos últimos oito anos através de generosas
doações de petróleo. A Venezuela, da mesma forma que Cuba, sempre criticou a
Minustah --tropa da ONU comandada militarmente pelo Brasil--, percebida como um
novo episódio de intervenção externa imposta ao pobre país caribenho. Esta posição,
entretanto, não impede que venezuelanos, cubanos e brasileiros tenham se somado
num "pool" solidário para a reconstrução haitiana.”.
Vou usar
mais desse mesmo artigo da Folha (mesmo link anterior), por preguiça de escrever
por conta própria. E uso essa cópia pra finalizar essa sessão sobre a importância da figura dele no
contexto todo da geopolítica recente da America Latina.
“A atuação de Chávez foi ainda um fator favorável para avançar em direção da
paz colombiana. O canal de comunicação mantido com as Farc constituiu um
elemento facilitador crucial para que a Colômbia pudesse arquitetar uma mesa de
diálogo entre as partes em conflito. O recente agradecimento público do
presidente Juan Manuel Santos deixa registrado este reconhecimento.
Em
resumo, com estridência e dramatismo próprios da cultura venezuelana, Hugo
Chávez já deixou uma marca na história recente latino americana.
Trata-se
de uma figura que somou altivez e audácia ao momento de recuperação da
soberania política da América do Sul. Um momento em que o continente consolida
seus marcos institucionais democráticos que, se bem diversos, compartilham o
compromisso com políticas de inclusão social e a valorização da paz regional.”
Um pouco sobre o governo "lá
dentro", sobre golpes e sobre “ditadura”
Antes de
mais nada, é óbvio que não defendo ditadura nenhuma, seja esquerda, seja
direita. Recentemente li uma bela coluna do
Contardo Calligaris na qual ele diz:
“A
política, na segunda metade do século passado, alimentou-se de uma alternativa
desse tipo, uma alternativa bandida e falsa, segundo a qual deveríamos escolher
entre, de um lado, as ditas liberdades burguesas (liberdade de opinião, de
culto, de ir e vir pelo mundo, de ter nossa privacidade respeitada etc.) e, do
outro lado, uma nova justiça social, que acabasse com miséria e fome.
Eu mesmo
já pertenci a essa bandidagem. Quando me mostravam que os países ditos
socialistas esmagavam as liberdades básicas, eu respondia "E a liberdade
de não morrer de fome, hein?". Como se, para se livrar da fome, renunciar
às liberdades burguesas fosse o preço necessário e, portanto, aceitável, se não
módico.”
Apenas quero falar um
pouco sobre a política interna lá na Venezuela também. Sobre esse regime que nem sabemos ao certo se
ditadura era (mas assim é chamado pela mídia americana). Então vai um histórico, bem
"porco" que garimpado na Internet rapidão pra ajudar no pouco do que tinha na minha
memória fraca.
- Em
fevereiro de 1992, o então tenente-coronel Chávez lidera um golpe de Estado
contra o governo de Carlos Andrés Perez. Foi um fracasso e Chávez foi preso.
- Em 1999
foi eleito presidente e promoveu uma Assembleia Constituinte que criou as bases
de seu projeto político. Estabeleceu uma política nacionalista, atacou
latifúndios e promoveu uma onda de nacionalizações em setores estratégicos –
petróleo, siderurgia, telecomunicações, eletricidade e parte do setor
alimentar.
O
discurso dele é que um país que é um dos maiores produtores de petróleo do
mundo não pode ficar tão pobre e dependente dos outros. Meio na linha do “o
petróleo é nosso” ele foi pulso firme (demoníaco e tals), estatizando uma
caralhada de coisas. A própria (e "nossa") Petrobrás sentiu o golpe, nossa mídia
na época caiu em cima do demônio, a Veja principalmente:
"Foi perfeita a armadilha montada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, com a plena concordância da diretoria anterior da estatal, para
tornar a Petrobrás refém dos interesses políticos e das
irresponsabilidades administrativas do presidente venezuelano, Hugo
Chávez."
Mas o próprio
presidente da Petrobrás na época disse que:
“(...) não
há petróleo em lugar calmo no mundo. Se você for investir no Iraque, no
Irã, na China, na Líbia, na Nigéria, em Angola, qualquer país do mundo tem
problemas, e o petróleo, infelizmente, não dá em país muito calmo. Os problemas
geopolíticos são naturais na indústria do petróleo”.
Não
preciso dizer que essas políticas assustaram investimentos estrangeiros
(animaizinhos bem ariscos, esses “investimentos estrangeiros”, sempre se
assustando quando vêem vermelho) e empresários locais que deixaram de apostar no desenvolvimento
industrial do país por temor ao "comunismo".
Em 2003,
devido à criação das “missões” (programas sociais, talvez algo análogos a
nossas “bolsas”) de saúde e educação fortifica-se a cooperação com Cuba ("ai, que medo!"), que
enviaria médicos e educadores (vejam só: Médicos e Educadores!!!) em troca de petróleo. Essa aliança e seus
resultados se tornou mais tarde o pilar de sustentação do governo e da
popularidade do presidente. E também tornou os EUA e aliados beeeem mais putos
com ele.
No fim
das contas, no governo dele a pobreza na Venezuela caiu mais de 20%, de acordo
com a Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), e o país passou
a registrar a menor desigualdade entre ricos e pobres entre nações
latino-americanas, de acordo com relatório da ONU, com 0,41 no índice de Gini
que mede o grau de desigualdade na distribuição da renda domiciliar per capita
entre os indivíduos de um país.
Mas nem tudo
são flores, ahhh não. A inflação lá não caiu (na verdade é bem alta). A corrupção também
é bem alta, e não caiu com seu governo. Criminalidade nas ruas também é algo que não melhorou nada.
Segundo
vários críticos, e tô falando de críticos embasados e não de opiniões idiotas, ele acabou dominando a política com elementos de
esquerda.
“A polarização criada é maléfica para o país, pois apenas um setor da
sociedade – os "vermelhos" - teria espaço. Chávez atacou o velho
sistema de exclusão social que dominava a sociedade sim, mas em contrapartida
desenvolveu um novo sistema de exclusão política" (Disse Alberto Barrera,
autor da biografia do Chavéz à BBC.)
Ainda
nessa época, em 2003, a crise política causada por esse bipolarismo e
pelo fortalecimento da esquerda levou a um golpe de estado contra Chavéz. Tá bom,
esse golpe é polêmico, a mídia americana (vai ter isso no documentário que
postarei abaixo) diz que não foi golpe. Mas no geral, se olhar a maioria dos
analistas políticos, o consenso é chamar assim.
Ele fica
um pouco fora, depois a população vai às urnas e pede ele de volta. Deve ser
uma população burra, que cai nas idéias de um populista e que acha coisinhas como
diminuição da pobreza, aumento espantoso na saúde pública e melhoria considerável na alfabetização, valem tanto a pena a ponto de se fazer parcerias
com gente malvada como Cuba, Síria, etc. Mas de qualquer forma, sendo idiotas ou não, eles votam e ele volta.
Em 2007,
Chávez acusa os meios de comunicação privados de serem os porta-vozes da
oposição interna e do governo dos Estados Unidos, sendo co-responsáveis pelo
golpe (além de extravagante, é paranóico o mano). Ele cancela a concessão pública do canal privado RCTV. Essa saída do ar
da RCTV foi vista pela comunidade (e eu concordo com essa visão) como um ataque à liberdade de
imprensa e uma ação de censura. Isso coloca mais lenha na fogueira sobre
sua pessoa.
E a
polêmica causada por ele não para por ai (ahh.. esse Troll). Acham que
Cuba foi suficiente? Indo na política de cruzada contra o
"imperialismo", Chávez desafiou a influência americana também se aproximando
de figuras como o ex-líbio Muammar Gaddafi e o presidente do Irã, Mahmoud
Ahmadinejad. Ele dizia que estava na busca de um "mundo multipolar”, coisa de louco provavelmente.
Pros
Estados Unidos foi o fim. A mídia americana o mostra como um puta de um
ditador, diz que ele é pior que Bin Laden. Chega a falar em matá-lo. Isso tudo
vai aparecer no documentário abaixo.
No fim,
os venezuelanos foram convocados às urnas em 17 eleições durante os mandatos de
Chávez. Ele saiu derrotado apenas uma vez, quando pretendeu reformar 33 artigos
da Constituição.
Estudiosos
criticam esse tempo todo no poder, e essa dependência. A historiadora Margarita
López Maya, antiga aliada do próprio, por exemplo, critica o centralismo
desenvolvido em torno da figura presidencial. "Em termos históricos, foi o
rei que tivemos na Venezuela. Foi como Luis 14."
Curiosidade: segundo a coluna da Eliane Catanhêde: "Diferentemente do que alardeiam petistas e tucanos, por motivos opostos,
a aproximação do Brasil com a Venezuela de Hugo Chávez começou nos
governos FHC, a quem Chávez chamava de 'mi maestro' ". Ela fala de suas reuniões, suas piadas, bebidinhas juntos. E que as relações dessa ala política com Chávez se cortaram depois, numa briga com o Serra.
Hoje, por
ocasião da morte, dá pra se ver as opiniões dos principais líderes do mundo
sobre essa figurinha:
Dá pra
ver um pouco sobre a reação da população venezuelana em si:
O documentário do Oliver
Stone
O diretor americano Oliver Stone (outro "troll") fez um documentário que mostra um
outro lado desse demônio. Não foi agora, "rapidinho", e devido à morte que ele fez o documentário não. Só não
era muito divulgado mesmo, o que é natural em se tratando de um documentário sobre política e não de um filme. Só achei pertinente recomendar ele agora.
Chama-se
“Ao Sul da Fronteira” e tem integralmente aqui no Youtube, dublado em
português. Não é especificamente sobre o Chávez, mas sobre presidentes latino americanos sendo
vistos por um ponto de vista diferente daquele mostrado pela grande mídia norte
americana.
Acontece
que o Chavéz acaba ganhando parte importante, os 38 minutos iniciais são
praticamente apenas sobre ele.
Vi umas
entrevistas com o diretor um tempo atrás e ele deixa claro que não é mesmo um
trabalho jornalístico imparcial. Ele focou em mostrar um lado específico, que é
aquele ignorado pela mídia americana, com isso tem poucas críticas aos presidente sulamericanos (então assistam com
parcimônia).
Convido
quem tiver interesse sobre política latino americana a assistir. Até mesmo
aqueles que o acham um demônio e estão comemorando sua morte... pelo menos vê-se um documentário cheio de entrevistas com o demônio. Cool,
né?
Bom, eu
prefiro complicar tudo mesmo. Não gosto do mundo em preto e branco. Tem uma
música do Live que gosto muito, chamada “The Beauty Of Gray”, cujo refrão é:
“and the perception that divides you from him, is a lie
for some reason you never asked why
this is not a black white world
you can't afford to believe in your side
this is not a black and white world
to be alive i say the colors must swirl
and i believe that maybe today
we will all get to appreciate
the beauty of grey”
Escutem aqui é uma bela canção.
Se tem
uma única afirmação que faço, sem relativizar, disso tudo é: pra mim
comemorar câncer alheio, ou desejar o mesmo a outros é babaquice!