07 novembro, 2011

Sobre os “maconheiros da USP” versus os “facistas a favor da polícia”

Jurei que não ia mais ligar com comentários na Internet depois de levantar a hipótese de que isso é tudo um complô pra “trolar” a mim, ao Auro e ao Pablo. Mas lendo algumas notícias esse final de semana não me segurei. Quanta desinformação e críticas idiotas eclipsando uma discussão possivelmente interessante (ou várias discussões possivelmente interessantes)!!! Dai escrevi isso aqui a principio num e-mail e agora pra descansar um pouco depois do café resolvi postar.



De um lado, os “direitosos facistas

De um lado os blogs vermelhos dizendo que polícia nos campi não muda em nada a segurança e (e agora vem a parte que me irrita) chamando qualquer pessoa que é a favor da polícia de facista, nazista e coisas do gênero.
E dai acabam desvirtuando a discussão, extrapolando o rótulo de facista pra qualquer pessoa com uma opinião mais alinhada à direita. Assim se se pratica uma repressão contra formas diferentes de pensar que me lembram justamente o... ahn... facismo!!
Acontece que vemos segundo os dados oficiais, que o índice de crimes dentro da USP caiu em mais de 90%depois do convênio com a PM. Ou seja, parece que está sim adiantando.



Do outro lado, os “esquerdosos maconheiros

Então vem a mídia mais “formal” generalizando e extrapolando no outro sentido. Sendo a cereja do bolo, em minha opinião, a Veja com a matéria dizendo que: a “Democracia de fardas” foi atacada a pedradas por maconheiros, e que todo o movimento que estamos vendo essas semanas é tão somente pra não deixar prender esses “maconheiros”.  
O pior é que nos comentários dos leitores vi que essa sementinha cresce e cresce e floresce a ponto de ter uma galera criticando a existência em si de cursos de sociologia e filosofia, como antros de maconheiros baderneiros que são inúteis para a sociedade.
(abre parênteses pra um desabafo sobre a democracia de fardas)
Com todo o respeito pelos policiais honestos (que devem ser a maioria), mas “Democracia de fardas” foi foda. Uma vez tive minha casa assaltada e os policiais apareceram mais de uma hora depois, dizendo que não tinham como tentar achar os bandidos por falta de homens (eles tinham a descrição das pessoas e do carro) e disseram inclusive que nem iriam fazer o BO ali que dava trabalho, eu que me dirigisse (sem carro e sem dinheiro) até a delegacia que ficava beeem longe em outro bairro. Estranho, mas até o momento poderia ser verdade. Nem quatro dias depois um rico do mesmo bairro morando a poucas quadras é assaltado e em menos de 10 minutos havia vários camburões e helicópteros rondando (sério). Claro que a culpa não é exatamente dos policiais que estavam fazendo seu trabalho, alguém deve ter tomado as decisões. Mas foi bem democrático mesmo, né? Há vários outros exemplos aqui, mas não é o motivo do post.
(fecha o parêntese do desabafo sobre a democracia de fardas)



Um pouco de histórico

A discussão sobre polícia militar versus universidades é antiga, bem mais antiga do que esse caso dos 3 maconheiros/estudantes de agora. Não acredita? Então vamos lá...
Em um livro chamado “O livro negro da USP” (de autoria coletiva de vários professores) eles remontam essa discussão lá pra década de 40.
Tem quem não acredita nisso, vá lá. Afinal são teorias sobre a função social da universidade e de como a presença de uma força militar coibiria o livre pensamento e tals. Mas são teorias, e cada um acredita no que quiser.
De qualquer forma, ainda no “histórico”, tem dados menos subjetivos do que esse livro (e vários outros), como a listinha abaixo.
>> Apenas nove dias após o golpe militar, o que eles invadiram e quem eles caçaram? Não vou nem responder a essa pergunta retórica. E não foi só essa primeira invasão não, o histórico de invasões à universidades e torturas por parte da ditadura durou muito.
>> Em 1969 o governo criou o “Decreto-Lei nº 477”, elaborado pelo Conselho de Segurança Nacional, especialmente para silenciar estudantes, professores e funcionários das instituições de ensino.
>> Depois, em 1970, a mesma galera da ditadura teve a grande ideia de colocar a Academia de Polícia na entrada da universidade.
>> Dai, em 1973, veio a criação da “Assessoria Especial de Segurança e Informações (Aesi)”. Implantada na USP com objetivo selecionar os funcionários, colher dados sobre atividades subversivas, levantar informações sobre alunos, entre outras cositas más. As invasões de salas de aulas, com prisões de professores e alunos, aumentaram muito. A Aesi acabou em 1982.
>> Dai vem a nova Constituição Brasileira, de 1988, trazendo pela primeira vez o princípio da autonomia universitária plena; Embora ainda muito se discuta até hoje sobre o que seria essa “autonomia plena”, a polícia foi perdendo aos esse papel de controlar o que se passa dentro da faculdade. A tal da “guarda universitária” da USP ganha peso.
>> Em 2009 a PM volta a entrar na USP, devido uma greve pedindo o de sempre (salário, melhores condições, etc, etc). Alguém chuta o final da história? Ela terminou em confronto, balas de borracha, bombas de efeito moral e gás de pimenta.  
>> Em 18 de maio último morre um estudante durante um assalto, e a PM ganha mais presença dentro da USP, assim como as discussões de se ela deve ou não estar lá dentro ganha nova força.
>> Mais recente - e quase acabando a historinha (juro!) - em 8 de setembro agora Antonio Ferreira Pinto (secretário estadual da Segurança Pública), coronel Álvaro Batista Camilo (comandante do policiamento do estado), e pelo professor João Grandino Rodas (reitor da USP)  assinam um convênio aumentando mais ainda a presença militar dentro da USP.
(parênteses sobre o reitor)
Não que seja diretamente ligado, longe disso, mas acho que de certa forma apimenta um pouco essa história o fato de o reitor Rodas ter sido escolhido pelo Serra através de uma nomeação que ignorou a votação da comunidade acadêmica, que teria eleito Glaucius Oliva como reitor. Direito do Serra fazer isso, o resultado da votação é apenas uma sugestão ao governador que é quem decide o nome. Direito dele, mas algo não muito comum depois da ditadura. Tanta polêmica o reitor causou com sua linha dura. Até considerado oficialmente "persona non grata" pela faculdade de direito da USP (aka Largo da São Francisco).  Título inédito, e olha que eles tiveram alguns ditadores lá dentro (e tô falando da São Francisco, não da FFLCH).
(fecha parênteses sobre o reitor)
>> Finalmente chegamos no estopim que gerou às notícias das últimas semanas: 3 alunos estariam portando maconha e as “rondas ostensivas” da PM de São Paulo (quem se lembra da sutileza da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, também chamada de ROTA, levanta a mão) vem gentilmente pedir pra eles os acompanharem até a delegacia (apesar de que porte de drogas não daria prisão, até onde eu saiba). Mesmo com o pedido sendo totalmente gentil e sutil, os alunos, vários professores e vários funcionários perdem a cabeça e saem enlouquecidos contra os policiais bonzinhos que só vêm uma alternativa que seria o uso – de novo – de bombas de gás e tiros de borracha contra a horda de alunos e professores alucinados, ensandecidos e perigosos.
>> Após essa abordagem da polícia, o protesto contra a presença da polícia no campus ganhou escala e finalmente explodiu com a invasão (ocupação?).
Isso falando da história da PM na USP. Se pegássemos, por exemplo, a UNB, a história seria muito maior.
All in all, o ponto é que a coisa é um pouco mais complicada do que: “3 maconheiros tentando acabar com a formação intelectual do Brasil, que felizmente foi salva pela maravilhosa democracia de fardas. Então uma onda de loucura se abateu sobre outros alunos e sobre os professores que querem soltar os maconheiros de qualquer forma”.



Quer discutir? Vamos discutir coerentemente

O resumão é: estou indignado não com a opinião de um lado ou de outro, ou seja, não me indignam opiniões pró ou contra PM em um campus. Eu mesmo ainda não tenho opinião sobre tal. Sério.  
Acho a discussão disso muito bem vinda, por sinal.
Também a discussão adjacente que está surgindo em muitos dos posts que li, sobre a descriminalização da maconha, pode ser interessante e bem vinda. Mas se discutida com seriedade e não com xingamentos e estereótipos.
Estou indignado sim é com a desinformação e as generalizações idiotas que vem sendo feitas.
Algumas frases soltas pra terminar, meio que mostrando minha opinião contrária à muita coisa que andei lendo repetidamente nos comentários por ai:
>> Estudantes da FFLCH, ou quaisquer estudantes de sociologia ou filosofia não são um bando de maconheiros inúteis.
>> Fumar maconha é proibido, é ilegal (embora, até onde sei, não punível por prisão). Mas isso não faz com que a pessoa esteja errada em todo e qualquer aspecto da vida. Dirigir acima da velocidade ou depois de uma cervejinha, ou não dar preferência ao pedestre, também são atitudes ilegais (e que matam muito mais por sinal) e nem por isso todo mundo que dirige assim de vez em quando é um filha da puta que merece morrer e está errado em quaisquer aspectos de sua vida.
>> Comprar num camelô também dá dinheiro para o crime organizado.
>> A discussão sobre se a soberania da faculdade deveria ou não contemplar a ausência de polícia militar dentro da mesma é mais bem antiga do que esse caso dos 3 estudantes e já estava sendo discutida antes (desde a década de 40!). Isso foi um estopim pra a manifestação mais recente (assim como já ocorreram várias outras no curso da história).
>> Uma pessoa que tenha opinião a favor da polícia no campus, sejam quais forem seus motivos, não é um facista tampouco um idiota.  Nem é um idiota aquele que acha que um reforço para a guarda universitária seria a saída.
>> Discutir baseando-se em xingamentos e estereótipos não leva a lugar nenhum, é apenas uma batalha de egos idiota.
>> Mesmo se você acredita que a PM não deveria entrar no campus, uma coisa é fato, a criminalidade aumentou muito dentro dos campi nas últimas décadas. Já temos assassinatos e estupros, e algo deveria ser feito a respeito. Aparentemente a PM coibiu os crimes.
>> A existência de maconha dentro dos campi não é algo novo, não está acabando com o futuro acadêmico (li isso, sério!).  Ela sempre existiu. Existiu e ainda existe em todos os cursos, por sinal, quer sejam de humanas quer sejam engenharias, direito ou medicina. Nem por isso não temos produzidos bons pensadores, médicos, cientistas, idéias, etc.
>> Tem gente que acredita que todo o lance de discutir repressão a maneiras diferentes de pensar está errado por princípio, já que as universidades seriam apenas cursos profissionalizantes que te dão um diploma que por sua vez te dará um salário melhor. Nesse caso preciso opinar, já tenho uma opinião forte contrária a isso, mas apesar de eu ser contra essa linha de raciocínio quem pensa assim tem direito de falar e defender sua opinião sem ser ofendido.
>> Transformar um protesto político (seja a invasão/ocupação a melhor maneira de protesto ou não) que tem como objetivo a retirada da polícia do campus da USP (quer seja esse objetivo algo louvável ou não), em um protesto contra a prisão de maconheiros é, pra dizer pouco, intelectualmente desonesto. Além de ser também uma maneira fácil de levar o grande público a repudiar tal protesto já que o tema 'drogas' quase sempre é um tópico de consenso (como ouvi por ai e estou copiando, aliás), é como Hitler: caso você fale mal dele, sempre estarão ao seu lado e assim fica fácil convencer quem não está acompanhando tudo com senso crítico.

2 comentários:

  1. Também não tenho uma opinião totalmente formada sobre este assunto, pq de um lado acho q ela não deveria ter tomado tal proporção.
    O próprio grupo de alunos q invadiram a reitoria não tem apoio de seus colegas de universidade e acho até um pouco engraçado vê-los pregarem o anarquismo e pedirem que a polícia saia da USP (e como li em alguns cartazes, também dos morros e favelas) qdo estão vestidos com roupas com marcas estampadas, caracterizando-se, ao menos visualmente, como parte da elite (e que acredito q conheçam bem pouco do q seja uma favela ou simplesmente, um bairro de periferia).
    Mas, também tô usando de uma visão bem superficial dos fatos.
    O que me fez escrever é q gostei bastante do q foi exposto neste post e concordo que td foi muito generalizado pela mídia e trouxe alguns rótulos e preconceitos à tona, que não se faziam necessários.

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  2. Gostei muito do seu texto. Foi o mais plausível que li até agora. Minha opinião é de que a PM tem que continuar nos campi. A forma como a abordagem e o tratamento aos estudantes será feito é que precisa ser discutido. Independentemente disso, a partir do momento que o grupo invade um espaço, depreda e usa de violência contra jornalistas ou contra qualquer um gratuitamente, perderam totalmente a razão. Se fosse um protesto pacífico, não precisavam esconder o rosto.

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