Começando com um texto longo, pra provocar...
Perguntaram pro Saramago, numa entrevista: "O senhor acompanha o fenômeno do Twitter? Acredita que a concisão de se expressar em 140 caracteres tem algum valor? Já pensou em abrir uma conta no site?"
Perguntaram pro Saramago, numa entrevista: "O senhor acompanha o fenômeno do Twitter? Acredita que a concisão de se expressar em 140 caracteres tem algum valor? Já pensou em abrir uma conta no site?"
SARAMAGO: Nem sequer é para mim uma tentação de neófito. Os tais 140 caracteres reflectem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido.
Pararam pra pensar nisso a fundo, analiticamente? E em relação a outras coisas surgidas recentemente como o miguxês e afins? Será que mais uma vez, a vida imita a ficção? Lembram da Novilingua, do Orwel:
Newspeak is a fictional language in George Orwell's novel Nineteen Eighty-Four. In the novel, it is described as being "the only language in the world whose vocabulary gets smaller every year". Orwell included an essay about it in the form of an appendix in which the basic principles of the language are explained. Newspeak is closely based on English but has a greatly reduced and simplified vocabulary and grammar. This suits the totalitarian regime of the Party, whose aim is to make any alternative thinking — "thoughtcrime", or "crimethink" in the newest edition of Newspeak — impossible by removing any words or possible constructs which describe the ideas of freedom, rebellion and so on. One character says admiringly of the shrinking volume of the new dictionary: "It's a beautiful thing, the destruction of words."
Complicado, né? Como computeiro, reluto em entrar numa de uma "demonização" da tecnologia ou algo do gênero, mas é legal refletir um pouco. Cada vez mais vejo, nas listas de discussão de e-mail com muitos participantes, que textos longos e analíticos não são considerados. Muitas vezes vejo pior, que a única argumentação aceita é aquela baseada em ataques ad hominem ou em piadas.
Daí vem o gancho pro twitter do Saramago acima. Twitter na verdade é apenas um exemplo, que resolvi usar devido à limitação de caracteres. Não que ele seja o cerne da discussão ou a causa dessa relutância em argumentações longas. Talvez seja justamente uma conseqüência.
Mas me intriga um pouco a questão dos tais 140 caracteres. Sabemos que não é uma limitação técnica. O que é então?
Parece que as novas tecnologias de comunicação e informação “dobraram” (pra usar um termo à lá Star Trek) o tempo e o espaço como os conhecíamos. Na idade média o ritmo de vida das pessoas era regulado pelas estações e pelo clima. Na revolução industrial, pelos horários das fábricas. Agora, pela internet: podemos nos relacionar sem restrição de espaço e em tempo praticamente real.
Parece-me que está se perdendo a disciplina física e mental que exigia que a comunicação escrita tivesse determinadas particularidades, uma dinâmica própria. Salvo nobres exceções, não se escreve mais na internet na forma de teses (em um sentido amplo, de criação de um texto argumentativo), mas sempre como uma conversa que ocorre em tempo real, onde a capacidade de ser enfático é importante, e onde recursos de retórica (generalizações, ataques pessoais, "falácias ecológicas", piadinhas, apelo ao senso comum, etc) são menos sofisticadas do que em textos escritos “da minha época”. Eu, que às vezes já sou dinossauro pra maioria, tinha uma amiga com a qual só me comunicava por cartas (depois que ela foi pra longe), isso durou muito e eram textos muito legais. Depois da invenção do e-mail nossa comunicação foi diminuindo até morrer. Louco, né?
Perdeu-se aquela tradição, sei lá, da oratória e da retórica clássicas, da dialética, de alternância (tese - réplica - tréplica). Muitas vezes as "discussões" são decididas na força bruta.
Será, então, que a técnica não estaria ajudando a enterrar a parte ritual da argumentação? Ou será apenas que algumas pessoas tenham se adaptado melhor (ou resistido menos?) ao novo contexto sócio-cultural-econômico?
Minha irmã respondeu a essa discussão toda assim:
... sou uma "hibrida" que vive entre os grandes livros e pequenos blogs (que ainda não conseguiu simpatizar com o twiter...mas isso é "gosto", será?) e vivemos assim, "dialeticamente" tentando fugir dos "colonialismos metais" e se "individuar" num mundo "massificante" e "moderno liquido"....
hahhah, uma brincadeira com nossos queridos jargões de humanas, aliás que acho muito úteis para pensar a sério...
Termino expressando uma dúvida: quantos será que leram toda essa viagem até o fim? Quantos pararam nos primeiros 140 caracteres?
Fico por aqui pra iniciar esse blog. E não se assustem, como não há lógica, a próxima entrada pode ter menos de 100 caracteres.
Fico por aqui pra iniciar esse blog. E não se assustem, como não há lógica, a próxima entrada pode ter menos de 100 caracteres.
Li até o fim :)
ResponderExcluirO Saramago é sempre bárbaro, né? Mas... bom, o Twitter é uma ferramenta que uso mas não entendo direito ainda porquê. Acho que, para a maioria das pessoas "comuns" é mais fácil se manter "lível" se escreve-se pouco.
Mas isso é só uma conjectura pensada agora.
Bjks.
Ahahah muito bom..
ResponderExcluirRealmente, como te disse, o ser humano tem o dom de se auto-destruir..
Logo, não seria tão estarrecedor pensar que ele acabaria consigo da forma com que tem feito há muito - considerando a previsão sobre a destruição da linguagem, como citado por você, no livro que leu..
De fato, atualmente o indivíduo acaba não relutando muito com o que lhe é imposto.. pelo governo, por quem quer que seja.
Brevemente penso na massificação.. como sua irmã mesma disse, concordo com ela, devemos pensar a respeito. Não muito obstante, coloco-me à pensar sobre questões culturais.. considerando que isso deva ocorrer em todo o tipo de etnia.. e ocorre, né.
Utópico ou não, devemos engrandecer àqueles que ainda possuem perspicácia suficiente para discorrer sobre esse assunto.. e ainda, àqueles que têm a capacidade de se comunicar por meio de uma linguagem nítida, completa e correta.
Oi Sheila, entao... nao e nada contra o Twitter ou algo do genero. Acho que novas midias podem, e devem, coexistir. Minhas viagens sao mais no sentido de que, na minha experiencia, isso nao tem na verdade coexistindo, mas substituindo a argumentacao "classica" cada vez mais. Voce mesma cogitou que talvez o motivo seja as pessoas preferirem ser "liveis", por isso escrevem pouco. Ou seja, quem escreve muito nao seria mais lido :)
ResponderExcluirValeu pelo comentario!
Oi Matheus,
ResponderExcluirEscrever e ler é uma coisa q adoro, de paixão. Mais do que falar, sou super econômico com as palavras no dia-a-dia, a não ser qdo estou conversando c/ algum amigo.
Já fui de escrever cartas tbém, mas o q me fez parar foram motivos pessoais, não a internet. Nunca consegui manter um diálogo com alguém por e-mail por mto tempo, desde q criei o primeiro em 1995. Porém, com listas de grupos sim, desde 2003. Nessa época participava de várias, hj em dia não mais.
Dizem q os blogs estão no fim com essa "necessidade" de rapidez e tempo real. Eu não acredito, eles continuam sendo uma ótima ferramenta de publicação, disseminação da informação e reflexão. O que é publicado fica acessível e recuperável enquanto vc manter o blog, então ele acaba sempre encontrando o seu leitor.
No meu blog mais antigo sempre pensei q não seria mto lido, por ele ser mais literário, com contos, crônicas e análises. Muito texto. Mas me surpreendi por não, ele é bastante procurado e lido, ano passado ele cresceu mto. Enfim, o prazer da leitura continua em quem gosta de ler (infelizmente são poucos em nosso país, nossas escolas não conseguem formar bons leitores) e existe espaço para todos nesse mundo virtual.
Minha maior preocupação (principalmente por eu ser bibliotecário) é onde vai parar tanta informação. As mensagens do twitter, por exemplo, são pequenas, mas de grão em grão geram um fluxo informativo enorme q somados aos blogs crescem ainda mais. Hj em dia está tranquilo, mas e no futuro? Como manter essas informações todas? Já reparou como elas são frágeis?
E olha o tamanho de testamento do meu comentário...hahaha Enfim, são apenas reflexões q eu sempre me coloco.
Abraço
Mais uma coisa, uma reclamação pessoal sobre o assunto!!!
ResponderExcluirEssa coisa de informação curta é uma droga em se tratando de relacionamentos, principalmente c/ alguém de longe. Vc se apaixona, e escreve aqueles e-mails lindos cheios de amor, paixão e paquera e... recebe um e-mail de volta com uma frase curta e enigmática, q te deixa mais perdido q galinha d'angola em tiroteio...hahaha Isso quaaando recebe resposta do e-mail, tem isso tbém!!!...hehe
Essa vida de parachoque de caminhão é uma merda...rzz
Abraço
Um ponto à acrescentar:
ResponderExcluirO Matheus disse que a argumentação "clássica" vem perdendo espaço não só na literatura, mas na forma oral também.
Sempre gostei de exercitar meu conhecimento sobre a língua portuguesa, bem como outras, através de uma "ironia" com a linguagem cotidiana, utilizando a forma culta no dia-a-dia, acrescida de sinuosos erros, os quais o Matheus está até acostumado.
Acho que tal prática tem levado algumas pessoas a, pelo menos, lembrar do assunto. É isso o que acho que os blogs tentam manter: argumentações mais elaboradas e mais gostosas de se ler, bem como o treinamento de uma verdadeira argumentação.
Parabéns a todos por manter isso e tornar a leitura online informativa e agradável de se ler!
Abraços
Acho que chegamos a iniciar esse assunto em uma das muitas conversas de café que tinhamos na época que trabalhei com o Matheus.
ResponderExcluirNa minha opinião a massificação da informação acabou contribuindo para esse efeito de minimização da comunicação.
Quando éramos mais novos a correspondência tradicional era a única forma de manter contato com amigos e parentes distantes. O tempo entre um contato e outro não era tão curto quanto um email ou mais curto ainda quanto um twitter e por isso a quantidade de informação deles era maior.
Hoje temos um acesso a informação e aos outros tão rápida que acabamos por nos acomodar e não busca-los com tanta frequência. As pessoas não estão mais preocupadas em buscar suas próprias opiniões ou moldar suas teses, elas querem a informação pronta, mastigada , em poucas linhas. Que sejam suficientes para serem consumidas entre as muitas inutilidades que estão disponíveis para serem consumidas.
Podemos comparar esse fenômeno com aquele clássico que todo mundo que já viajou para outras cidades ou países acaba percebendo. Porque os museus e parques dos outros são interessantes e os nossos não. Simples, porque os nossos estão lá , ao nosso alcance, na hora que precisarmos. Então não nos interessamos em conhece-los. Quantas pessoas justificam morar em cidades como São Paulo por conta de teatros, parques e eventos que nunca foram ou nunca irão.
Com a informação acontece o mesmo. Ela está lá disponivel a qualquer hora e lugar. Os amigos estão ao alcance de um clique no MSN, suas atividades diárias estão todas no twitter. Ora, então porque vou me dar ao trabalho de ler.
Há algum tempo vi na tv a cabo uma sessão de filmes que tinha legendas em internetês. Confesso que fiquei com vergonha de ver uma coisa dessas, porque apesar de saber que nossos jovens se comunicam dessa maneira, não deveria ser incentivado por um veículo que tem , infelizmente, um poder tão grande de influência sobre esses jovens.
O Twitter foi uma limitação técnica sim. Ele surgi pra vc poder postar via SMS (que só permite 140 caracteres)...
ResponderExcluirAcho que posso identificar no mínimo dois motivos para não se ler os textos alheios, quando estes são extensos:
1. Falta de tempo do leitor, que deixa para ler depois, e o depois nunca acontece;
2. Falta de interesse do leitor. A partir do primeiro parágrafo a leitura fica massante e o leitor decide fazer algo que goste mais.
Acredito que, este fenômeno que você está escrevendo sempre existiu: Hoje ele é mais evidente porque a escrita/internet estão se popularizando. Antes, apenas elite conversava com elite. Agora temos elite conversando com os demais.
Não é só na linguagem que isso acontece, mas como um todo. Cada vez mais pessoas imprudentes começam a ter acesso ao trânsito automotivo, e vemos aberrações dirigindo.
A sociedade é um misto em forma de pirâmide ou talvez um octaedro (uma pirâmide de cabeça para baixo, grudada na base por uma de cabeça para cima).
Sempre haverá aquela parcela social que fará bom uso da tecnologia (verbal, motora, elétrica, etc), para seus corretos fins. Outra parcela que fará mau uso, e outra parcela que sequer conseguirá fazer uso.
PRINCIPAL: Eu odeio ler notícia de tablóide. Os primeiros 3 parágrafos são introdutórios. O jornalista enrola, fala de um monte de background, pro leigo entender ou tentar entender do que se trata a notícia, e então o jornalista fala sobre o que interessa nos últimos parágrafos.
Eu sempre penso: Que #)$¨!(%$ porque ele não vai logo nos finalmentes? Eu já conheço toda essa introdução.
Ou seja, quanto mais eclético, mais vale aquele ditado "bom entendedor, meia palavra bas"... Mas, como a notícia tende a alcançar os mais diversos públicos, o texto tem que conter uma introdução, para os leigos conseguirem entender. E olha que talvez nem com a introdução entenderão.
Este é um fenômeno complexo, devido a pluralidade social. Não vamos conseguir estabelecer uma unidade. A comunicação é regional e fragmentada. Se você não sabe o tiopês ou o miguxês, talvez seja porque não faz parte dessa turma. Cada macaco no seu galho.
Acho que isso que o Fantz comentou de o acesso fácil fazer perder um pouco o interesse tem muito a ver. Tem tanta informação mastigada e é tão fácil continuar conversando de pouquinho em pouquinho, sem ter o trabalho de elaborar, que vamos deixando pra lá.
ResponderExcluirLembra do museu de nanotecnologia do lado do eld? Sempre falamos de visitar um dia, que deveria ser curioso, mas como é em frente nunca fomos. É capaz que se fôssemos turistas passando por aqui durante uns poucos dias teríamos ido :)
Liopard: como defendemos teses diferentes, não tem muito “o que” discutir. Não tem nada de errado nisso, claro, mas eu acho que algo está mudando sim na maneira de se expressar e você acha que não. A partir dai é difícil discutir se as técnicas envolvidas nessa comunicação têm ou não alguma influência na mudança, uma vez que não concordamos com a mudança em si.
ResponderExcluirSó pra constar, eu não comecei isso por ver comunicações entre tipos diferentes de pessoas, como você diz: "Antes, apenas elite conversava com elite. Agora temos elite conversando com os demais.". Nem tô falando de elite ou algo assim.
Ou seja, to falando sobre argumentações, discussões, defesas te tese (num sentido amplo e não acadêmico). Não tô falando de reportagens e ou divulgação de notícias, tablóides, etc.
Minha percepção é do dia a dia mesmo. Lá no começo das discussões por e-mail, que pra mim foi de 95 pra 96 era bem difícil conectar na net. Nós tínhamos uma conta telnet de nossa casa com a Unicamp, e limitada, e lerda. Então era: “entrava, baixava tudo, depois respondia e entrava de novo pra enviar”. E ninguém ficava o dia todo no computador. Nessa época, ainda carregávamos um pouco dos hábitos das cartas. As discussões eram amplas, argumentativas, elaboradas. Hoje em dia cada vez mais vejo isso diminuir. Mesmo no início do Orkut eu via discussões sérias, ou nos ircs, etc.
Mesmo na lista que nós estamos em comum, na Lounge, quantas vezes uma discussão longa é levada à frente? Por quantos participantes? Quantas vezes é apenas piada ou ofensas? Já ouvi depois "vi que você e o André estão escrevendo um monte, mas nem vou ler". Ou então alguém "de fora" acaba com a discussão, com uma piadinha de 1 linha. E citei essa lista porque estamos ambos nela, vejo algo parecido nas de cinema, política, literatura, quase todas. Cada vez mais vejo as generalizações, ataques pessoais, piadinhas, apelo ao senso comum, etc sendo mais eficazes do que elaboração de uma argumentação sólida.
Esses dias estava conversando sobre concurso público, e o que mais tem assustado a galera é o fato de ter uma redação de mais de 50 linhas!
Na área técnica também: na faculdade, se era necessário a gente ia na biblioteca e pegava livros, mesmo que fossem grandes. Cada vez mais, se não tem na Wikipédia ou mastigadinho em um fórum, a galera pula pro próximo e continua até achar uma versão mastigadinho, um resumo. Mesmo em se tratando de literatura, outro dia fiz propaganda de “Crime e Castigo” pra alguém aqui do emprego e ele procurou um resumo.
Pra finalizar, quanto ao miguxês e tiopês, não é uma questão de não entender. É apenas de perceber, com um pouco de tristeza, que isso ganha peso. Quando uma emissora de TV grande como a net começa a colocar legendas em miguxês, acho um pouco preocupante sim. Se a gente que cresceu sem isso tem que fazer um esforço pra manter a velha língua atuante, imagina a molecada nova crescendo nesse meio.
Claro que são pareceres baseados em minha experiência em listas, pode ser que não esteja nada mudando e eu dei azar nos locais onde discuto. E mesmo que esteja algo mudando, pode ser que a técnica não tenha absolutamente nenhuma influência nisso... embora eu ache que tenha, são divagações...
Esse é um assunto que merece ser debatido... Gostei de conhecer o seu ponto de vista e acho ele bastante interessante. Como você pode perceber, de um mesmo texto podem surgir vários pontos de vista, e observações sobre vários aspéctos. Agora com o seu comentário, eu entendo o foco que você está querendo dar para o assunto.
ResponderExcluirNeste caso, tenho uma citação bastante apropriada, de Italo Calvino no livro As Cidades Invisíveis:
"- O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço."
(Marco Polo)
Gostei de citação, farei dela um post depois :)
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