09 janeiro, 2010

O gene capitalista & a responsabilidade da mídia



Recentemente a revista Veja publicou uma matéria chamada O Gene Capitalista, na qual entrevistava um economista chamado Gregory Clark e apresentava algumas idéias como estas, chamando-as de científicas:
 

“"Não tenho dúvidas de que existe um gene capitalista", disse Gregory Clark à VEJA. "No futuro, a ciência será capaz de selecionar indivíduos com base nele."”

“Os economistas acreditam que, para um país crescer, basta dar incentivos às pessoas. Meus estudos indicam o contrário. As características da população são mais relevantes para a economia do que instituições sólidas, proteção aos direitos de propriedade e governo reduzido.”

“A genética de uma população determina se um país será rico ou pobre. Os aborígines australianos, por exemplo, que nunca experimentaram um sistema semelhante a uma economia de mercado até a chegada dos europeus, são incapazes de competir economicamente. Também não há muita coisa que um governo possa fazer para desenvolver um país como o Brasil.

“Para o autor, é a escassez de indivíduos adaptados cultural e geneticamente à economia de mercado que explica a pobreza de regiões como África e América do Sul. Interessante.”

Eu acho falta de responsabilidade uma revista com a penetração da Veja, baseando-se em uma “pesquisa” (já chego no ponto que tenta justificar essas aspas) de determinada pessoa, publicar frases de efeito como: negros não menos produtivos que brancos e isso está provado geneticamente, que as empresas deveriam levar isso em conta, ou que não há muita coisa que um governo possa fazer para desenvolver um país como o Brasil.

Discutir o tema num ambiente acadêmico ou mesmo num buteco, sem chamar de verdade ou de prova, va lá. Mas publicar num meio de massa, e com esses termos? Ainda mais sabendo que a linha editorial é muito forte e escolhe muito bem o que sai e o que não sai, acho no mínimo de mau gosto.
 

Quanto ao fato publicado em si, tenho pessoalmente algumas ressalvas em falar de determinismo a esse ponto. Essas ressalvas são pessoais e não são ciência, mas enquanto ambas as correntes não são ciência e sim teorias, escolho as minhas de acordo com meus valores,  convicções e esperanças. 

Que fique claro que sei que o conhecimento da biologia e da genética são importantes, especialmente para tratamento de doenças, etc, etc. Mas temos que ter cuidado em não fazer da genética a próxima religião que prova tudo e determina tudo. Agora, o que esse cidadão faz é praticamente uma eugenia aplicada ao capitalismo. Ridículo. 

Se fossemos todos tão determinados pela genética, viveríamos em um sistema de castas - ou melhor, quase como numa colméia - com tarefas distintas e sem mobilidade social alguma. Aliás, o próprio conceito de evolução baseia-se em mudanças nessas predeterminações genéticas que às vezes ocorrem para o bem.

Mas o que mais me intrigou aqui não é nem o fato “descoberto” pelo cara em si, mas sim o método científico utilizado por esse economista para depois chegar a conclusões absolutas que usem os termos genética, pré-determinismos, foi provado, etc.

Olhemos com um pouco mais de cuidado a pesquisa do cara:
 

-> Os ingleses produziam mais no tear do que os indianos. Blargh... É óbvio que os ingleses costuravam mais e melhor porque estavam inseridos na cultura que inventou a máquina de costura, enquanto os indianos culturalmente eram mais afeitos ao artesanato. Os ingleses estavam mais adaptados à maquinaria. Se fosse o contrário? Extrapolando com algo que não estava na pesquisa do cara, por que os indianos são tão bons em matemática e em TI hoje em dia? Muito provavelmente tem alguma influencia o fato de que durante o período colonial, não podiam estudar humanidades, para evitar a ascensão de camaradas como o Gandhi. Não está necessariamente no gene deles, caso contrário eles teriam sido os inventores da contabilidade, do sistema bancário,  e coisas assim.
 

-> Outro dado interessante é que, com base nesse argumento genético, ele responde a uma das perguntas afirmando que o Brasil não teria jeito. Além de falar sobre ingleses, chineses, etc... Desde quando "Brasileiro" é uma raça, de modo a estarmos geneticamente determinados ao fracasso desse jeito? Nacionalidade == etnia agora?
 


-> Por fim, mas não menos importante, como ele tira conclusões genéticas de estudos estatísticos sobre o comportamento das pessoas e sobre as formas de acumulo de capital? Mais especificamente, sobre um estrato populacional entre os anos 1200 e 1800??? Como ele analisou os genes destas pessoas? A partir do seu comportamento? Então ele simplesmente criou uma premissa que é ao mesmo tempo dado e conclusão de pesquisa. A relação causal não fica clara no argumento dele. Seria algo como: “partindo do pressuposto de que eu estou certo, vou dar uma volta retórica e provar pra vocês que eu estou certo”.

Onde está Lévi-Strauss, nessa história toda?
 

E eu, particularmente, não quero chegar pedindo um visto para, sei lá... Europa... algum dia e me barrarem porque descobriram que algum ancestral meu foi assaltante... Ou que uma empresa não me contrate porque, como provou o Sr. Clark, os gens dos brasileiros (WTF?) estão fadados ao fracasso dentro da sociedade capitalista.
 

E uma revista que publica isso, mesmo com toda essa "ciência", perde um pouco do meu respeito.






Um comentário:

  1. Vindo da revista Veja não me surpreende.
    É a pior revista em circulação no Brasil, independente de ideologia, o jornalismo deles é parcial, tendencioso e não tem compromisso com a verdade.
    Essa tese de gene capitalista, determinismo genético é velha. No século XIX já havia o darwinismo social, uma teoria meio maluca que misturava biologia com desenvolvimento econômico e acreditava na seleção natural das sociedades civilizadas...depois vieram os Nazi-fascistas para lascar de vez...
    Numa só palavra: bobagem!
    Os americanos deveriam se preucupar em salvar a economia deles que tá uma merda ao invés de ressucitar teorias racistas batidas que não ajudam em nada.
    Só para constar, a maior cervejaria americana, a budweiser e a rede de fast food burguer kings foram compradas por um grupo empresarial brasileiro (o mesmo que controla a INBEV).
    Aonde está o gene capitalista?

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